sexta-feira, 20 de maio de 2016

Doutorado pelo FMI

De café no bule to a cup of tea


Entrevista com ministro da fazenda Henrique Meirelles
      


EXCLUSIVO Henrique Meirelles anuncia primeiras medidas (13/05/2016)




Presidente Temer Faz seu Primeiro Pronunciamento - Disse o que Todos querem ouvir. Você Acredita?




BATE-BOCA: Cássio Cunha Lima e Gleisi Hoffmann se desentendem em Comissão do Impeachment



Procurador destroça Gleisi Hoffmann no plenário da comissão de impeachment



Gleisi Hoffmann causa polêmica ao confessar, com naturalidade, crimes e roubos do PT



Lindberg Não Aprende.. Cutuca Fogaça com Vara Curta e Quase Foi Mordido



Vídeo constrangedor mostra a empolgação de petistas com o golpe de Maranhão… que durou pouco.


A Cup of Tea
A Cup of Tea was written on 11 January 1922 in the space of just ‘4-5 hours’ and was published in a popular magazine the Story-teller in May of the same year. It then appeared in the collection The Dove’s Nest and Other Storiescompiled by Katherine Mansfield’s husband John Middleton Murry and published in 1923.









The ostensible point of the story is that a rich and self-regarding woman has her complacency disturbed. On a whim, she makes what she thinks of as a charitable gesture to a destitute lower-class girl, only to discover (via her husband) that the girl has qualities that she herself does not possess.
However, there is another reading of the story buried subtly in the narrative and its dialogue. Rosemary is a rich and spoiled woman with a self-indulgent lifestyle who feels that her sudden encounter with a girl off the streets could be ‘an adventure … like something out of a novel by Dostoevsky’ – which in a sense that Rosemary would not understand, it does turn out to be.
She takes the girl back home, ushers her into her private bedroom, and undresses her (in the sense of taking off her hat and coat). She has the intention of leading her into another room for tea but does not do so. When the girl begins to cry, she puts her arm around the girl’s ‘thin, bird-like shoulders’ and promises to look after her.
When Rosemary’s husband Philip interrupts, the young girl gives what is clearly a false name (‘Smith’) and is strangely unfazed by the situation in which she finds herself: she is ‘strangely still and unafraid’. Rosemary describes their encounter in terms of procurement: ‘I picked her up in Curzon Street. She’s a real pick-up’.
Philip, the husband, is shocked by two things – first, by how attractive the girl is, and second by the inappropriate relationship that exists between the two women. He asks satirically if ‘Miss Smith’ will be dining with them, in which case he might be forced to look up The Milliner’s Gazette.
The surface implication of this remark is that the girl might be an unemployed shop girl who is sponging off his wealthy wife, but at a deeper level there is a suggestion that she might be a prostitute of some kind. At that time in the early twentieth century, the employment of single females in occupations such as milliner (hat maker) shop assistant, and other forms of casual jobs was regarded as loosely equivalent to prostitution. This suggestion in the story is reinforced by what happens next. Rosemary pays off the girl with three pound notes and sends her on her way.
The sting in the tale for Rosemary is that she wonders if she, for all the wealth and luxury in her life, lacks the animal magnetism possessed by the lower-class young girl which has left her husband Philip ‘bowled over’ after a single glance.
Narrative voice
The literary quality in the story comes largely from the skillful manner in which Mansfield creates a fluid narrative voice which combines an engagement with her subject, her readers, and even (to some extent) with herself as an identifiable narrator.
Technically, the story starts in third person narrative mode: ‘Rosemary Fell was not exactly beautiful’ – but that ‘not exactly’ establishes a conversational style and an attitude to the character. She raises questions, cancels thoughts (‘No, not Peter—Michael’) employs slang (‘a duck of a boy’) and speaks to an imaginary interlocutor (‘she would go to Paris as you and I would go to Bond Street’).
It is also interesting to note that her use of fashionable exaggeration is remarkably similar to that being used today – almost a hundred years later: (‘her husband absolutely adored her … the man who kept it was ridiculously fond of serving her’). This captures perfectly the speech mannerisms and the attitudes of the nouveau riche milieu in which the story is set.




A Cup Of Tea by Katherine Mansfield


CAFÉ NO BULE











Um encontro histórico, em parcerias trianguladas, reúne o pernambucano Naná Vasconcelos, que deu dimensão sinfônica e internacional à percussão nativa, o maranhense Zeca Baleiro, reformador POP da MPB e o paulistano Paulo Lepetit, artífice instrumental de ases como Itamar Assumpção e Cássia Eller e titular de vôos solos e autorais.Está servido o “Café no Bule”, título do aromático CD e do próprio trio de compositores / produtores / músicos, que prospecta raízes esteticamrnte miscigenadas em sonoridades de alto impacto. “Foi simples e não teve seleção de repertório. Fomos fazendo”, decreta Naná. “Não pensamos em seguir fórmula alguna. As composições foram apontando caminhos. Procuramos colocar o mínimo de elementos, tudo muito natural e espontâneo”, adiciona Lepetit.
“A sintaxe do disco é mais próxima da cultura popular, de uma dicção de origem. Há porém uma elaboração, melódica e harmônica, mais intuitiva que de pesquisa, o que a distancia do naif”, define Zeca. Da encantatória “Ciranda da meia-noite” ao desiludido / divertido “Yellow Taxi” e a confidente e compassada “A Maré tá boa”. Do satírico “Xote do tarzan” ao inclemente afoxé “A Dama do chama-maré” e o voluptoso “Batuque na panela”, o roteiro bota para ferver um caldo de cultura regional lapidado pela urbanidade.
Revezam-se nos vocais e solos eventualmente emoldurados por coro, Naná (percussão, efeitos), Lepetit (baixo, u-bass, violão, guitarra, teclados) e Zeca (violão, guitarra, cavaco ukelele e teclados). Aliam-se a eles músicos convidados “Para dar um colorido diferente a cada canção”. Como informa Lepetit. “A ciranda tá misturada ao afoxé, o latino ao jazz, o afropop ao baião”, decupa Zeca. Há ainda três vinhetas entre as 12 faixas, definidas por Naná como “um copo d’água entre uma garfada e outra”. Fumega o café no bule: “minha voz quando ecoa / celebra a vida”, alicia o maracatu “Loa”.

Tarik de Souza


CAFÉ NO BULE – BATUQUE NA PANELA (TEASER)


TEM CAFÉ NO BULE
[vinheta]

Já que tem café no bule
Tem café e chá
Já que tem café no bule
No bule café e chá







ZECA BALEIRO - CAFÉ NO BULE - São Paulo - 07.09.2015



“Mundo verde” – Naná Vasconcelos no Estúdio Showlivre


Escola Econômica da Unicamp

18/08/2014
revista Ensino Superior nº 14 (julho-setembro)
A Escola de Campinas nasceu para pensar qual é a especificidade da economia brasileira dentro da América Latina e do mundo. As teorias que foram criadas em países desenvolvidos tinham que ser requalificadas, adequadas e questionadas antes de serem aplicadas à realidade brasileira.
Por Fernando Nogueira da Costa
Graduado em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1974), mestrado e doutorado em Ciência Econômica pela Unicamp (1975-76 e 1986), livre docente pelo Instituto de Economia da Unicamp (1994). Desde 1985, é professor adjunto nesta Universidade. Experiência profissional com ênfase em Teoria Monetária e Financeira, pesquisando principalmente os seguintes temas: sistema financeiro, bancos, teoria e política monetária, macroeconomia e inflação e finanças comportamentais. Foi vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa Econômica Federal entre fevereiro de 2003 e junho de 2007. Coordenou a Área de Economia da Fapesp entre 1996 e 2002. Publicou os livros Ensaios de Economia Monetária (1992), Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista, (1999), Economia em 10 Lições (2000) e Brasil dos Bancos (Edusp, 2012).










Escola Econômica da PUC – Rio

23.04.07 Economia na PUC-Rio: notas de uma testemunha Gustavo H. B. Franco1 Já se passaram mais de 30 anos desde que a minha experiência com a PUC teve início. Fui aluno de graduação (1975-79), e do mestrado (1980-82), professor assistente (1986-90) e associado (1990-93), sempre em tempo integral, e depois de uma experiência no serviço público, principalmente no Banco Central do Brasil (1993-99), retornei ao Departamento como professor de tempo parcial, posição em que me encontro hoje. Ocupei cargos de administração, coordenação e planejamento acadêmico, orientei dezenas de monografias e teses, ofereci cursos de natureza diversa e contribui de forma relevante para a produção acadêmica no Departamento em várias áreas. Assim sendo, assisti, mas também fui protagonista do desenvolvimento do projeto acadêmico que se iniciou ao final dos anos 1970 e que levou o Departamento de Economia da PUC-Rio a se tornar um dos mais destacados centros de excelência na disciplina no país. É cedo para escrever uma História e celebrar a consolidação definitiva deste projeto, a despeito das marcas que seus participantes já deixaram na formação de quadros, na produção acadêmica, nas práticas empresariais e na própria condução da política econômica do país. Seus fundadores ainda se sentem muito jovens para permitir que historiadores se debrucem sobre suas trajetórias. Por isso, o relato que se segue ficou limitado a um olhar pessoal sobre o desenvolvimento da instituição e apenas ligeiramente sobre o lugar deste projeto no pensamento econômico nacional. O que segue, portanto, são impressões de uma testemunha, não totalmente inocente, um de muitos depoimentos que poderão contribuir, no futuro, para compor uma narrativa mais articulada da formação e desenvolvimento desta instituição.




CEPAL



Transcorrido meio século desde a sua fundação, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe deu contribuições relevantes para o desenvolvimento regional e suas teorias e visões foram escutadas em muitos lugares do mundo. Hoje a CEPAL é referência obrigatória para quem estuda a história econômica da região nos últimos tempos.
A Comissão desenvolveu-se como uma escola de pensamento especializada no exame das tendências econômicas e sociais de médio e longo prazo dos países latino-americanos e caribenhos.
O pensamento da CEPAL é dinâmico, seguindo as imensas transformações da realidade econômica, social e política, regional e mundial. Desde os primeiros anos desenvolveu um método analítico próprio e uma ênfase temática que, com algumas variantes, se manteve até nossos dias.
O método, chamado "histórico-estrutural", analisa a forma como as instituições e a estrutura produtiva herdadas condicionam a dinâmica econômica dos países em desenvolvimento e geram comportamentos que são diferentes do comportamento das nações mais desenvolvidas.
Neste método não há "estágios de desenvolvimento" uniformes. O "desenvolvimento tardio" de nossos países tem uma dinâmica diferente das nações que experimentaram um desenvolvimento mais precoce. O termo "heterogeneidade estrutural", cunhado nos anos 70, capta bem as características de nossas economias.




FMI

GEOGRAFIA
O FMI e o Banco Mundial são instituições financeiras, ambas com sedes nos Estados Unidos.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) é um organismo com sede na cidade norte-americana de Washington; criado em 1945, seu objetivo é estabelecer a cooperação econômica em escala global. Sua atuação visa garantir estabilidade financeira, favorecer as relações comerciais internacionais, implantar medidas para geração de emprego e desenvolvimento sustentável e buscar formas de reduzir a pobreza.

Cada país possui uma cota de participação no fundo, estabelecida preliminarmente, o destaque é para os países desenvolvidos, que são os maiores cotistas; por essa razão, são eles que gerenciam o organismo.

Os empréstimos do FMI são concedidos aos países com problemas financeiros, para isso é preciso cumprir as metas estipuladas pelo organismo, nelas estão previstas a implantação, por parte do devedor, de: ajuste orçamentário, cortes nos gastos públicos, monitoramento da taxa cambial, barrar o consumo excessivo com a diminuição salarial, dentre outros.

Quando o FMI é acionado por um país em crise, agentes são enviados para analisar a situação financeira do mesmo e, a partir daí, direcionar as medidas que poderão contribuir para a resolução dos problemas. O principal objetivo desses agentes é evitar que tais problemas se alastrem e tomem proporções maiores, que possam repercutir internacionalmente na economia.


O Banco Mundial (World Bank) ou BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) é uma agência das Nações Unidas criada em 1° de julho de 1944, a sede está localizada na capital dos Estados Unidos, Washington. Originalmente, foi criado com a finalidade de ajudar os países que foram destruídos na Segunda Guerra Mundial.





Sede do Banco Mundial.
Hoje, aproximadamente 150 países membros participam na composição do capital do banco. O valor de cota e o direito de voto são determinados a partir do nível de participação no mercado mundial. O principal acionista é os Estados Unidos, fato que lhe concede o poder de veto em todas as decisões.

O Banco Mundial fornece financiamentos para governos, que devem ser destinados, essencialmente, para infraestura de transporte, geração de energia, saneamento, além de contribuir em medidas de desenvolvimento econômico e social.
Além de governos, empresas de grande porte podem adquirir empréstimos, porém, é necessário apresentar a viabilidade da implantação de projetos, além disso, o país de origem da empresa deve garantir o pagamento dos recursos.
Por Eduardo de Freitas
Graduado em Geografia



Capital Karl Marx


KARL MARX- O CAPITAL em 2 minutos


por Poderoso
em 19/07/12



A principal obra sobre a ideologia proposta por Karl Marx é admirada não só por marxistas e indivíduos de cunho socialista, mas também por estudantes de diversas ciências, filósofos, doutores em diversas áreas e leitores em geral. Por se tratar de uma obra clássica esta deveria ser uma leitura obrigatória para todos os estudantes.
Marx explica em sua obra como funciona a sociedade capitalista, descrevendo suas características implícitas dentro das civilizações que a representam e como ela é organizada e fundamentada. A definição do capitalismo proposta por Marx utiliza a tese de que o trabalhador não obtém vantagens e subsídios necessários com o capitalismo, gerador do acúmulo de riquezas que o faz trabalhar e ganhar menos do que deveria, além da concepção sobre o pilar fundamental do acúmulo de riquezas nesse sistema econômico que é o valor de riqueza juntamente com o valor de troca.
A obra originalmente escrita na época foi dividida em quatro volumes, cada uma abordando sobre um determinado aspecto do capitalismo: O Processo de Produção do Capital (publicado em 1865); O Processo de Circulação do Capital (publicado em 1885); O Processo Global da Produção Capitalista (publicado em 1894) e Teoria do mais Valia (publicado em 1905). Os três últimos volumes foram publicados após a morte de Marx, ficando a responsabilidade da edição das obras para Engels, seu seguidor na teoria marxista.
A ideologia marxista prega a concepção de que o capitalismo deve ser extinto por meio da revolução social e da ação contínua do proletariado contra este sistema que explora o trabalhador, não se importando com o mesmo e suas condições e oportunidades de crescimento, mas sim com o que ele está produzindo. Ela defende ainda a utilização do Comunismo como uma forma de governo igualitária no contexto social-econômico não só por meio da divisão de associações, mas também por uma economia que permita o benefício aos interesses da sociedade em geral.
Uma leitura recomendável para estudo e melhor entendimento de como funciona nossa sociedade contemporânea que gira em torno do capitalismo, e que permite reflexões que levam o indivíduo a pensar como construir uma sociedade mais justa no aspecto econômico, algo que reflete em todos os setores básicos da mesma.
Boa leitura!





FRÓES, Marli Silva (UFJF/UNIMONTES) 2

mas era tarde de maio e o ar fresco era uma flor aberta com o seu perfume. (LISPECTOR, 1999)

RESUMO: O conto A Bela e a fera ou A ferida grande demais, de Clarice Lispector pode ser considerado um texto literário que funciona como arquivo, pois além de se configurar como um lugar privilegiado para o escritor manifestar a sua leitura de mundo, mobiliza saberes sujeitados e traz problematizações importantes de um dado momento sócio-cultural do cenário brasileiro e do acervo cultural perdurativo, no que se refere á relação eu e o outro.




Esselivro é composto por oito contos. Seis deles escritos na adolescência e dois escritos durante a sua doença. Ele foi publicado após a sua morte. Vou falar um pouco sobre aqueles que mais gostei.
“Gertrudes pede um conselho” conta a estória de uma garota de dezessete anos que sente demais. Ela tenta resolver esse problema mandando uma carta para uma doutora, consultora de um jornal.
“A menina era mais perspicaz do que pensara. Não, não era a verdade. A doutora sabia que se pode passar a vida inteira buscando qualquer coisa atrás da neblina, sabia também da perplexidade que traz o conhecimento de si própria e dos outros. Sabia que a beleza de descobrir a vida é pequena para quem procura principalmente a beleza nas coisas. Oh, sabia muito. Mas estava cansada do duelo. O escritório novamente vazio, afundar no divã, fechar as janelas – a repousante escuridão. Pois se aquele era o seu refúgio, apenas dela, onde até ele, com sua enervante e calma aceitação da felicidade, era um intruso!”
“Obsessão” é a estória de uma mulher que após contrair febre tifoide, o marido decide enviá-la para Belo Horizonte, para que se recupere. E, é aí que ela conhece o Daniel, um homem enigmático, que a faz enxergar o mundo de outra forma.
“Como se necessitasse de tal programa... Tudo nele atingia naturalmente o máximo, não na objetivação, mas num estado de capacidade, de exaltação de forças, de que ninguém se beneficiava e que era por todos, além dele, ignorado. E esse estado era o seu auge. Assemelhava-se ao que precederia uma realização e ele ardia por alcançá-lo, sentindo-se, quanto mais sofria, mais vivo, mais castigado, quase satisfeito. Era a dor da criação, sem a criação embora.”
“A bela e a fera” conta a estória de uma mulher rica que sai do salão de beleza antes do horário e, por isso é obrigada a esperar na rua. Nisso, aparece um mendigo lhe pedindo dinheiro.
“Nunca mais seria a mesma pessoa. Não que jamais tivesse visto um mendigo. Mas – mesmo este era em hora errada, como levada de um empurrão e derramar por isso vinho tinto em branco vestido de renda. De repente sabia: esse mendigo era feito da mesma matéria que ela.
Simplesmente isso. O “porquê” é que era diferente. No plano físico eles eram iguais. Quanto a ela, tinha uma cultura mediana, e ele não parecia saber de nada, nem quem era o Presidente do Brasil. Ela, porém, tinha uma capacidade aguda de compreender. Será que estivera até agora com a inteligência embutida? Mas se ela já há pouco, que estivera em contato com uma ferida que pedia dinheiro para comer – passou a só pensar em dinheiro? Dinheiro esse que sempre fora óbvio para ela. E a ferida, ela nunca a vira tão de perto...”
Gostei muito desse livro. Afinal, é impossível para mim não gostar de Clarice.

site: 
http://detudoumpouquino.blogspot.com








Clarisse Fukelman
Livro de contos lançado postumamente, reúne seis escritos do período 1940-41 e dois de 1977, pouco antes da morte da autora, ambos falando de escolhas, sentido da vida, solidão e condição feminina. Os textos do primeiro conjunto, ao se debruçarem sobre conturbadas relações amorosas entre homem e mulher, não escondem a atmosfera romântica e certa ingenuidade. Mas ao mesmo tempo trazem discussões que atravessam a ficção clariciana. Lá estão a percepção aguda de dramas familiares e o senso de ironia. A obra convida à leitura retrospectiva. Lado a lado, a escritora madura, em momento de profunda crise devido à doença que a tomava, e a jovem autora, na descoberta do mundo e da ficção.
Curioso é que o olhar adulto sobre experiências remotas é simulado em textos juvenis, como “História interrompida”. A narradora recorda a paixão juvenil: um rapaz “moreno e triste”, roupa escura, analítico; ela, jovem perspicaz, inteligente e romântica, de roupa florida, diminuída com a altivez dele, mas já intuindo haver sob aquela soberba um pensamento estéril. A rememoração, forma de compreensão, ou tentativa de, registra a força da acomodação a valores dominantes: “Estou casada e tenho um filho”. A história é retomada com variações em “Obsessão”, também rememória de personagem com origem similar: “Nasci de criaturas simples, instruídas naquela sabedoria que se adquire pela experiência e se adivinha pelo senso comum”. Ela é preparada para “casar, ter filhos e, finalmente, ser feliz”.
No outro grupo de textos, que assume a perspectiva de dentro do casamento ou de quem já viveumuito, há uma dimensão dilacerada quanto aos rumos e equívocos cometidos ao longo da vida, em nome da estabilidade e do bem-estar. Sim, porque se o livro como um todo encena a indagação clariciana sobre a felicidade, os contos escritos no final da vida dão ao tema uma acidez e uma revolta inexistentes nos anteriores, aniquilando de vez os parâmetros afetivos pequeno-burgueses. Chega a atingir o patético, na reflexão da socialite(“– Como é que eu nunca descobri que sou também uma mendiga?”), ou na figura de Margarida, de “Um dia a menos” (que reverbera personagens nos textos com viés autobiográfico de Avia crucis do corpo e também de A paixão segundo gh), mulher que habita o depois, e enfrenta o diálogo surdo com o tempo-morto que nela habita.





quinta-feira, 18 de setembro de 2008
A Bela e a fera ou A ferida grande demais, Clarice Lispector
Bem, então saiu do salão de beleza pelo elevador do Copacabana Palace Hotel. O chofer não estava lá. Olhou o relógio: eram quatro horas da tarde. E de repente lembrou-se: tinha dito a "seu" José para vir buscá-la às cinco, não calculando que não faria as unhas dos pés e das mãos, só a massagem. Que devia fazer? Tomar um táxi? Mas tinha consigo uma nota de quinhentos cruzeiros e o homem do táxi não teria troco. Trouxera dinheiro porque o marido lhe dissera que nunca se deve andar sem nenhum dinheiro. Ocorreu-lhe voltar ao salão de beleza e pedir dinheiro. Mas - mas era uma tarde de maio e o ar fresco era uma flor aberta com o seu perfume. Assim achou que era maravilhoso e inusitado ficar de pé na rua - ao vento que mexia com os seus cabelos. Não se lembrava quando fora a última vez que estava sozinha consigo mesma. Talvez nunca. Sempre era ela - com outros, e nesses outros ela se refletia e os outros refletiam-se nela. Nada era – era puro, pensou sem se entender. Quando se viu no espelho – a pele trigueira pelos banhos de sol faziam ressaltar as flores douradas perto do rosto nos cabelos negros – conteve-se para não exclamar um “ah!” – pois ela era cinqüenta milhões de unidades de gente linda. Nunca houve – em todo o passado do mundo – alguém que fosse como ela. E, depois, em três trilhões de trilhões de ano – não haveria uma moça exatamente como ela.
“Eu sou uma chama acesa! E rebrilho e rebrilho toda essa escuridão!”
Este momento era único – e ela teria durante a vida milhares de momentos únicos. Até suou frio na testa, por tanto lhe ser dado e por ela avidamente tomado.
“A beleza pode levar à espécie de loucura que é a paixão.” Pensou: “estou casada, tenho três filhos, estou segura.”
Ela tinha um nome a preservar: era Carla de Sousa e Santos. Eram importantes o “de” e o “e”: marcavam classe e quatrocentos anos de carioca. Vivia nas manadas de mulheres e homens que, sim, que simplesmente “podiam”. Podiam o quê? Ora, simplesmente podiam. E ainda por cima, viscosos pois que o “podia” deles era bem oleado nas máquinas que corriam sem barulho de metal ferrugento. Ela, que era uma potência. Uma geração de energia elétrica. Ela, que para descansar usava os vinhedos do seu sítio. Possuía tradições podres mas de pé. E como não havia nenhum novo critério para sustentar as vagas e grandes esperanças, a pesada tradição ainda vigorava. Tradição de quê? De nada, se se quisesse apurar. Tinha a seu favor apenas o fato de que os habitantes tinham uma longa linhagem atrás de si, o que, apesar de linhagem plebéia, bastava para lhes dar uma certa pose de dignidade.
Pensou assim, toda enovelada: “Ela que, sendo mulher, o que lhe parecia engraçado ser ou não ser, sabia que se fosse homem, naturalmente seria banqueiro, coisa normal que acontece entre os “dela”, isto é, de sua classe social, à qual o marido, porém, alcançara com muito trabalho e que o classificava de “self made man” enquanto ela não era uma “self made woman”. No fim do longo pensamento, pareceu-lhe que – que não pensara em nada.
Um homem sem uma perna, agarrando-se numa muleta, parou diante dela e disse:
- Moça, me dá um dinheiro para eu comer?
“Socorro!!!” gritou-se para si mesma ao ver a enorme ferida na perna do homem. “Socorre-me, Deus”, disse baixinho.
Estava exposta àquele homem. Estava completamente exposta. Se tivesse marcado com “seu” José na saída da Avenida Atlântica, o hotel que ficava o cabeleireiro não permitiria que “essa gente” se aproximasse. Mas na Avenida Copacabana tudo era possível: pessoas de toda a espécie. Pelo menos de espécie diferente da dela. “Da dela?” “Que espécie de ela era para ser ‘da dela’?” Ela – os outros. Mas, mas a morte não nos separa, pensou de repente e seu rosto tomou ar de uma máscara de beleza e não beleza de gente: sua cara por um momento se endureceu.
Pensamento do mendigo: “essa dona de cara pintada com estrelinhas douradas na testa, ou não me dá ou me dá muito pouco”. O correu-lhe então, um pouco cansado: “ou dá quase nada”.
Ela espantada: como praticamente não andava na rua – era de carro de porta à porta – chegou a pensar: ele vai me matar? Estava atarantada e perguntou:
- Quanto é que se costuma dar?
- O que a pessoa pode dar e quer dar - respondeu o mendigo espantadíssimo.
Ela, que não pagava o salão de beleza, o gerente deste mandava cada mês sua conta para a secretária do marido. “Marido”. Ela pensou: o marido o que faria com o mendigo? Sabia que: nada. Eles não fazem nada. E ela – ela era “eles” também. Tudo o que pode dar? Podia dar o banco do marido, poderia lhe dar seu apartamento, sua casa de campo, suas jóias...
Mas alguma coisa que era uma avareza de todo o mundo, perguntou:
- Quinhentos cruzeiros basta? É só o que eu tenho.
O mendigo olhou-a espantado.
- Está rindo de mim, moça?
- Eu?? Não estou não, eu tenho mesmo os quinhentos na bolsa...
Abriu-a, tirou-lhe a nota e estendeu-a humildemente ao homem, quase lhe pedindo desculpas.
O homem perplexo.
E depois rindo, mostrando as gengivas quase vazias:
- Olhe – disse ele -, ou a senhora é muito boa ou não está bem da cabeça... Mas, aceito, não vá dizer depois que roubei, ninguém vai me acreditar. Era melhor me dar trocado.
- Eu não tenho trocado, só tenho essa nota de quinhentos.
O homem pareceu assustar-se, disse qualquer coisa quase incompreensível por causa da má dicção de poucos dentes.
Enquanto isso a cabeça dele pensava: comida, comida, comida boa, dinheiro, dinheiro.
A cabeça dela era cheia de festas, festas, festas. Festejando o quê? Festejando a ferida alheia? Uma coisa os unia: ambos tinham uma vocação por dinheiro. O mendigo gastava tudo o que tinha, enquanto o marido de Carla, banqueiro, colecionava dinheiro. O ganha-pão era a Bolsa de Valores, e inflação, e lucro. O ganha-pão do mendigo era a redonda ferida aberta. E ainda por cima, devia ter medo de ficar curado, adivinhou ela, porque, se ficasse bom, não teria o que comer, isso Carla sabia: “quem não tem bom emprego depois de certa idade...” Se fosse moço, poderia ser pintor de paredes. Como não era, investia na ferida grande em carne viva e purulenta. Não, a vida não era bonita.
Ela se encostou na parede e resolveu deliberadamente pensar. Era diferente porque não tinha o hábito e ela não sabia que pensamento era visão e compreensão e que ninguém podia se intimar assim: pense!
Bem. Mas acontece que resolver era um obstáculo. Pôs-se então a olhar para dentro de si e realmente começaram a acontecer. Só que tinha os pensamentos mais tolos. Assim: esse mendigo sabe inglês? Esse mendigo já comeu caviar, bebendo champanhe? Eram pensamentos tolos porque claramente sabia que o mendigo não sabia inglês, nem experimentara caviar e champanhe. Mas não pôde se impedir de ver nascer em si mais um pensamento absurdo: ele já fez esportes de inverno na Suíça?
Desesperou-se então. Desesperou-se tanto que lhe veio o pensamento feito de duas palavras apenas “Justiça Social”.
Que morram todos os ricos! Seria a solução, pensou alegre. Mas – quem daria dinheiro aos pobres?
De repente – de repente tudo parou. Os ônibus pararam, os carros pararam, os relógios pararam, as pessoas na rua imobilizaram-se – só seu coração batia, e para quê?
Viu que não sabia gerir o mundo. Era uma incapaz, com cabelos negros e unhas compridas e vermelhas. Ela era isso: como uma fotografia colorida fora de foco. Fazia todos os dias a lista do que precisava ou queria fazer no dia seguinte – era desse modo que se ligara ao tempo vazio. Simplesmente ela não tinha o que fazer. Faziam tudo por ela. Até mesmo os dois filhos – pois bem, fora o marido que determinara que teriam dois...
“Tem-se que fazer força para vencer na vida”, dissera-lhe o avô morto. Seria ela, por acaso, “vencedora”? Se vencer fosse estar em plena tarde clara na rua, a cara lambuzada de maquilagem e lantejoulas douradas... Isso era vencer? Que paciência tinha que ter consigo mesma. Que paciência tinha que ter para salvar a sua própria vida. Salvar de quê? Do julgamento? Mas quem julgava? Sentiu a boca inteiramente seca e a garganta em fogo – exatamente como quando tinha que se submeter a exames escolares. E não havia água! Sabe o que é isso – não haver água?
Quis pensar em outra coisa e esquecer o difícil momento presente. Então lembrou-se de frases de um livro póstumo de Eça de Queirós que havia estudado no ginásio: “O lago de Tiberíade resplandeceu transparente, coberto de silêncio, mais azul que o céu, todo orlado de prados floridos, de densos vergeis, de rochas de pórfiro, e alvos terrenos por entre os palmares, sob o vôo das rolas.”
Sabia de cor porque, quando adolescente, era muito sensível a palavras e porque desejava para si mesma o destino de resplendor do lago de Tiberíade.
Teve uma vontade inesperadamente assassina: a de matar todos os mendigos do mundo! Somente para que ela, depois da matança, pudesse usufruir em paz seu extraordinário bem-estar.
Não. O mundo não sussurrava.
O mundo gri-ta-va!!! Pela boca desdentada desse homem.
A jovem senhora do banqueiro pensou que não ia suportar a falta de maciez que se lhe jogavam no rosto tão maquilado.
E A festa? Como diria na festa, quando dançasse, como diria ao parceiro que a teria entre os braços... O seguinte: olhe, o mendigo também tem sexo, disse que tinha onze filhos. Ele não vai a reuniões sociais, ele não sai nas colunas do Ibrahim, ou do Zózimo, ele tem fome de pão e não de bolos, ele na verdade só quer comer mingau pois não tem dentes para mastigar carne... “Carne?” Lembrou-se vagamente que a cozinheira dissera que o “filet mignon” subira de preço. Sim. Como poderia ela dançar? Só se fosse uma dança doida e macabra de mendigos.
Não, ela não era mulher de ter chiliques e fricotes e ir desmaiar ou se sentir mal. Como algumas de suas “coleguinhas” de sociedade. Sorriu um pouco ao pensar em termos de “coleguinhas”. Colegas em quê? Em se vestir bem? Em dar jantares para trinta, quarenta pessoas?
Ela mesma aproveitando o jardim no verão que se extinguia dera uma recepção para quantos convidados? Não, não queria pensar nisso, lembrou-se (por que sem o mesmo prazer?) das mesas espalhadas sobre a relva, a luz de vela... “luz de vela”? pensou, mas eu estou doida? Eu caí num esquema? Num esquema de gente rica?
“Antes de casar era de classe média, secretária do banqueiro com quem se casara agora e agora – agora luz de velas. Estou é brincando de viver, pensou, a vida não é isso.”
“A beleza pode ser de uma grande ameaça.” A extrema graça se confundiu com uma perplexidade e uma funda melancolia. “A beleza assusta”. “Se eu não fosse tão bonita teria tido outro destino”, pensou ajeitando as flores douradas sobre os negríssimos cabelos.
Ela uma vez vira uma amiga inteiramente de coração torcido e doído e doido de forte paixão. Então não quisera nunca experimentar. Sempre tivera medo das coisas belas demais ou horríveis demais: é que não sabia em si como responder-lhes e se responderia se fosse igualmente bela ou igualmente horrível.
Estava assustada quando vira o sorriso de Mona Lisa, ali, à sua mão no Louvre. Como se assustara com o homem da ferida ou com a ferida do homem.
Teve vontade de gritar para o mundo: “Eu não sou ruim! Sou um produto nem sei de quê, como saber dessa miséria de alma.”
Para mudar de sentimento – pois que ela não os agüentava e já tinha vontade de, por desespero, dar um pontapé violento na ferida do mendigo -, para mudar de sentimentos pensou: este é o meu segundo casamento, isto é, o marido anterior estava vivo.
Agora entendia por que se casara da primeira vez e estava em leilão: quem dá mais? Quem dá mais? Então está vendida. Sim, casara-se pela primeira vez com o homem que “dava mais”, ela o aceitara porque ele era rico e era um pouco acima dela em nível social. Vendera-se. E o segundo marido? Seu casamento estava findando, ele com duas amantes... e ela tudo suportando porque um rompimento seria escandaloso: seu nome era por demais citado nas colunas sociais. E voltaria ela a seu nome de solteira? Até habituar-se ao seu nome de solteira, ia demorar muito. Aliás, pensou rindo de si mesma, aliás, ela aceitava este segundo porque ele lhe dava grande prestígio. Vendera-se às colunas sociais? Sim. Descobria isso agora. Se houvesse para ela um terceiro casamento – pois era bonita e rica -, se houvesse, com quem se casaria? Começou a rir um pouco histericamente porque pensara: o terceiro marido era o mendigo.
De repente perguntou ao mendigo:
- O senhor fala inglês?
O homem nem sequer sabia o que ela lhe perguntara. Mas, obrigado a responder pois a mulher já o comprara-o com tanto dinheiro, saiu pela evasiva.
- Falo sim. Pois não estou falando agora mesmo com a senhora? Por quê? A senhora é surda? Então vou gritar: FALO.
Espantada pelos enormes gritos do homem, começou a suar frio. Tomava plena consciência de que até agora fingira que não havia os que passam fome, não falam nenhuma língua e que havia multidões anônimas mendigando para sobreviver. Ela soubera sim, mas desviara a cabeça e tampara os olhos. Todos, mas todos – sabem e fingem que não sabem. E mesmo que não fingissem iam ter um mal-estar. Como não teriam? Não, nem isso teriam.
Ela era... Afinal de contas quem era ela?
Sem comentários, sobretudo porque a pergunta não durou um átimo de segundo: pergunta e resposta não tinham sido pensamentos de cabeça, eram de corpo.
Eu sou o Diabo, pensou lembrando-se do que aprendera na infância. E o mendigo é Jesus. Mas – o que ele quer não é dinheiro, é amor, esse homem se perdeu na humanidade como eu também me perdi.
Quis forçar-se a entender o mundo e só conseguiu lembrar-se de fragmentos de frases ditas pelos amigos do marido: “essas usinas não serão suficientes”. Que usinas, santo Deus? as do Ministro Galhardo? teria ele usinas? A “energia elétrica... hidrelétrica”?
E a magia essencial de viver – onde estava agora? Em que canto do mundo? No homem sentado na esquina?
A mola do mundo é dinheiro? fez-se ela a pergunta. Mas quis fingir que não era. Sentiu-se tão, tão rica que teve um mal-estar.
Pensamento do mendigo: “Essa mulher é doida ou roubou o dinheiro porque milionária ela não pode ser”, milionária era para ele apenas uma palavra e mesmo se nessa mulher ele quisesse encarnar uma milionária não poderia porque: onde se viu milionária ficar parada de pé na rua, gente? Então pensou: ela é daquelas vagabundas que cobram caro de cada freguês e com certeza está cumprindo alguma promessa?
Depois.
Depois.
Silêncio.
Mas de repente aquele pensamento gritado:
- Como é que eu nunca descobri que sou também uma mendiga? Nunca pedi esmola mas mendigo o amor de meu marido que tem duas amantes, mendigo pelo amor de Deus que me achem bonita, alegre, aceitável, e minha roupa de alma está maltrapilha...
“Há coisas que nos igualam”, pensou procurando desesperadamente outro ponto de igualdade. Veio de repente a resposta: eram iguais porque haviam nascido e ambos morreriam. Eram, pois, irmãos.
Teve vontade de dizer: olhe, homem, eu também sou uma pobre coitada, a única diferença é que sou rica. Eu... pensou com ferocidade, eu estou perto de desmoralizar o dinheiro ameaçando o crédito do meu marido na praça. Estou prestes a, de um momento para o outro, me sentar no fio da calçada. Nascer foi a minha pior desgraça. Tendo já pagado esse maldito acontecimento, sinto-me com direito a tudo.
Tinha medo. Mas de repente deu o grande pulo de sua vida: corajosamente sentou-se no chão. “Vai ver que ela é comunista!” pensou meio a meio o mendigo. “E como comunista teria direito às suas jóias, seus apartamentos, sua riqueza e até os seus perfumes.”
Nunca mais seria a mesma pessoa. Não que jamais tivesse visto um mendigo. Mas – mesmo este era em hora errada, como levada de um empurrão e derramar por isso vinho tinto em branco vestido de renda. De repente sabia: esse mendigo era feito da mesma matéria que ela. Simplesmente isso. O “porquê” é que era diferente. No plano físico eles eram iguais. Quanto a ela, tinha uma cultura mediana, e ele não parecia saber de nada, nem quem era o Presidente do Brasil. Ela, porém, tinha uma capacidade aguda de compreender. Será que estivera até agora com a Inteligência embutida? Mas se ela já há pouco, que estivera em contato com uma ferida que pedia dinheiro para comer – passou a só pensar em dinheiro? Dinheiro esse que sempre fora óbvio para ela. E a ferida, ela nunca a vira tão de perto...
- A senhora está se sentindo mal?
- Não estou mal... mas não estou bem, não sei...
Pensou: o corpo é uma coisa que estando doente a gente carrega. O mendigo se carrega a si mesmo.
- Hoje no baile a senhora se recupera e tudo volta ao normal – disse José.
Realmente no baile ela reverdeceria seus elementos de atração e tudo voltaria ao normal.
Sentou-se no banco do carro refrigerado lançando antes de partir o último olhar àquele companheiro de hora e meia. Parecia-lhe difícil despedir-se dele, ele era agora o “eu” alterego, ele fazia parte para sempre de sua vida. Adeus. Estava sonhadora, distraída, de lábios entreabertos com se houvesse à beira deles uma palavra. Por um motivo que ela não saberia explicar – ele era verdadeiramente ela mesma. E assim, quando o motorista ligou o rádio, ouviu que o bacalhau produzia nove mil óvulos por ano. Não soube deduzir nada com essa frase, ela que estava precisando de um destino. Lembrou-se de que em adolescente procurara um destino e escolhera cantar. Como parte de sua educação, facilmente lhe arranjaram um bom professor. Mas cantava mal, ela mesma sabia e seu pai, amante das óperas, fingira não notar que ela cantava mal. Mas houve um momento em que ela começou a chorar. O professor perplexo perguntara-lhe o que tinha.
- É que eu tenho medo de, de, de, de, cantar bem...
Mas você canta muito mal, dissera-lhe o professor.
- Também tenho medo, tenho medo também de cantar muito, muito mais mal ainda. Maaaaal mal demais! Chorava ela e nunca teve mais nenhuma aula de canto. Essa história de procurar a arte para entender só lhe acontecera uma vez – depois mergulhara num esquecimento que só agora, aos trinta e cinco anos de idade, através da ferida, precisava ou cantar muito mal ou cantar muito bem – estava desnorteada. Há quanto tempo não ouvia a chamada música clássica porque esta poderia tirá-la do sono automático em que vivia. Eu – estou brincando de viver. No mês que vem ia a New York e descobriu que essa ida era como uma nova mentira, como uma perplexidade. Ter uma ferida na perna – é uma realidade. E tudo na sua vida, desde quando havia nascido, tudo na sua vida fora macio como pulo do gato.
(No carro andando)
De repente pensou: nem lembrei de perguntar o nome dele.
1977
In: Lispector, Clarice. A Bela e a Fera, Nova Fronteira, 1979, 131-46.
Postado por Luciana Messeder às 19:45 




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