terça-feira, 3 de janeiro de 2017

XXI - siglo ventiuno

Século XXI


MACHADEANO, BORGEANO, MEIRELESEANO...



... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.


“O escritor é o amanuense do engenho alheio, dizia Jorge Luis Borges.”


ALMOCREVE, ALMOCRAFE, AMANUENSE DE ENGENHO ALHEIO


CAPÍTULO XXI


SONETO XXI


ROMANCE XXI

SONATA XXI


SÉCULO XXI


Vai então, empacou o jumento em que eu vinha montado; fustiguei-o, ele deu dous corcovos, depois mais três, enfim mais um, que me sacudiu fora da sela, e com tal desastre, que o pé esquerdo me ficou preso no estribo; tento agarrar-me ao ventre do animal, mas já então, espantado, disparou pela estrada afora. Digo mal: tentou disparar, e efectivamente deu dous saltos, mas um almocreve, que ali estava, acudiu a tempo de lhe pegar na rédea e detê-lo, não sem esforço nem perigo. Dominado o bruto, desvencilhei-me do estribo e pus-me de pé.
-- Olhe do que vosmecê escapou, disse o almocreve.
E era verdade; se o jumento corre por ali fora, contundia-me deveras, e não sei se a morte não estaria no fim do desastre; cabeça partida, uma congestão, qualquer transtorno cá dentro, lá se me ia a ciência em flor. O almocreve salvara-me talvez a vida; era positivo; eu sentia-o no sangue que me agitava o coração. Bom almocreve! enquanto eu tornava à consciência de mim mesmo, ele cuidava de consertar os arreios do jumento, com muito zelo e arte. Resolvi dar-lhe três moedas de ouro das cinco que trazia comigo; não porque tal fosse o preço da minha vida, -- essa era inestimável; mas porque era uma recompensa digna da dedicação com que ele me salvou. Está dito, dou-lhe as três moedas.
-- Pronto, disse ele, apresentando-me a rédea da cavalgadura.
-- Daqui a nada, respondi; deixa-me, que ainda não estou em mim...
-- Ora qual!
-- Pois não é certo que ia morrendo?
-- Se o jumento corre por aí fora, é possível; mas, com a ajuda do Senhor, viu vosmecê que não aconteceu nada.
Fui aos alforjes, tirei um colete velho, em cujo bolso trazia as cinco moedas de ouro, e durante esse tempo cogitei se não era excessiva a gratificação, se não bastavam duas moedas. Talvez uma. Com efeito, uma moeda era bastante para lhe dar estremeções de alegria. Examinei-lhe a roupa; era um pobre diabo, que nunca jamais vira uma moeda de ouro. Portanto, uma moeda. Tirei-a, via-a reluzir à luz do sol; não a viu o almocreve, porque eu tinha-lhe voltado as costas; mas suspeitou-o talvez, entrou a falar ao jumento de um modo significativo; dava-lhe conselhos, dizia-lhe que tomasse juízo, que o «senhor doutor» podia castigá-lo; um monólogo paternal. Valha-me Deus! até ouvi estalar um beijo: era o almocreve que lhe beijava a testa.
-- Olé! exclamei.
-- Queira vosmecê perdoar, mas o diabo do bicho está a olhar para a gente com tanta graça...
Ri-me, hesitei, meti-lhe na mão um cruzado em prata, cavalguei o jumento, e segui a trote largo, um pouco vexado, melhor direi um pouco incerto do efeito da pratinha. Mas a algumas braças de distância, olhei para trás, o almocreve fazia-me grandes cortesias, com evidentes mostras de contentamento. Adverti que devia ser assim mesmo; eu pagara-lhe bem, pagara-lhe talvez demais. Meti os dedos no bolso do colete que trazia no corpo e senti umas moedas de cobre; eram os vinténs que eu devera ter dado ao almocreve, em logar do cruzado em prata. Porque, enfim, ele não levou em mira nenhuma recompensa ou virtude, cedeu a um impulso natural, ao temperamento, aos hábitos do ofício; acresce que a circunstância de estar, não mais adeante nem mais atrás, mas justamente no ponto do desastre, parecia constituí-lo simples instrumento de Providência; e de um ou de outro modo, o mérito do ato era positivamente nenhum. Fiquei desconsolado com esta reflexão, chamei-me pródigo, lancei o cruzado à conta das minhas dissipações antigas; tive (por que não direi tudo?), tive remorsos.





Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas


PABLO NERUDA

Soneto XXI. Oh que todo el amor propague en mí su boca

*************************

Oh que todo el amor propague en mí su boca,
Que no sufra un momento más sin primavera,
Yo no vendí sino mis manos al dolor,
Ahora, bienamada, déjame con tus besos.

Cubre la luz del mes abierto con tu aroma,
Cierra las puertas con tu cabellera,
Y en cuanto a mí no olvides que si despierto y lloro
Es porque en sueños sólo soy un niño perdido

Que busca entre las hojas de la noche tus manos,
El contacto del trigo que tú me comunicas,
Un rapto centelleante de sombra y energía.

Oh, bienamada, y nada más que sombra
Por donde me acompañes en tus sueños
Y me digas la hora de la luz. 


http://www.logospoetry.org/document.php?document_id=83859&code_language=ES



SONETO XXI — PABLO NERUDA
SONETO XXI

Oh que todo o amor propague em mim sua boca,
que não sofra um momento mais sem primavera,
eu não vendi senão minhas mãos à dor,
agora, bem-amada, deixa-me com teus beijos.

Cobre a luz do mês aberto com teu aroma,
fecha as portas com tua cabeleira,
e em relação a mim não esqueças que se desperto e choro
é porque em sonhos apenas sou um menino perdido

que busca entre as folhas da noite tuas mãos,
o contato do trigo que tu me comunicas,
um rapto cintilante de sombra e energia.

Oh, bem-amada, e nada mais que sombra
por onde me acompanhes em teus sonhos
e me digas a hora da luz.






[Pablo Neruda, XXI.]

Cem Sonetos de Amor  (1959)


http://jusperambulardivagante.blogspot.com.br/2012/08/soneto-xxi-pablo-neruda.html


Romance XXI ou das Idéias – CECÍLIA MEIRELES
A vastidão desses campos.
A alta muralha das serras.
As lavras inchadas de ouro.
Os diamantes entre as pedras.
Negros, índios e mulatos.
Almocrafes e gamelas.

Os rios todos virados.
Toda revirada, a terra.
Capitães, governadores,
padres intendentes, poetas.
Carros, liteiras douradas,
cavalos de crina aberta.
A água a transbordar das fontes.
Altares cheios de velas.
Cavalhadas. Luminárias.
Sinos, procissões, promessas.
Anjos e santos nascendo
em mãos de gangrena e lepra.
Finas músicas broslando
as alfaias das capelas.
Todos os sonhos barrocos
deslizando pelas pedras.
Pátios de seixos. Escadas.
Boticas. Pontes. Conversas.
Gente que chega e que passa.
E as idéias.

Amplas casas. Longos muros.
Vida de sombras inquietas.
Pelos cantos da alcovas,
histerias de donzelas.
Lamparinas, oratórios,
bálsamos, pílulas, rezas.
Orgulhosos sobrenomes.
Intrincada parentela.
No batuque das mulatas,
a prosápia degenera:
pelas portas dos fidalgos,
na lã das noites secretas,
meninos recém-nascidos
como mendigos esperam.
Bastardias. Desavenças.
Emboscadas pela treva.
Sesmarias, salteadores.
Emaranhadas invejas.
O clero. A nobreza. O povo.
E as idéias.

E as mobílias de cabiúna.
E as cortinas amarelas.
Dom José. Dona Maria.
Fogos. Mascaradas. Festas.
Nascimentos. Batizados.
Palavras que se interpretam
nos discursos, nas saúdes...
Visitas. Sermões de exéquias.
Os estudantes que partem.
Os doutores que regressam.
(Em redor das grandes luzes,
há sempre sombras perversas.
Sinistros corvos espreitam
pelas douradas janelas.)
E há mocidade! E há prestígio.
E as idéias.

As esposas preguiçosas
na rede embalando as sestas.
Negras de peitos robustos
que os claros meninos cevam.
Arapongas, papagaios,
passarinhos da floresta.
Essa lassidão do tempo
entre imbaúbas, quaresmas,
cana, milho, bananeiras
e a brisa que o riacho encrespa.
Os rumores familiares
que a lenta vida atravessam:
elefantíase; partos;
sarna; torceduras; quedas;
sezões; picadas de cobras;
sarampos e erisipelas...
Candombeiros. Feiticeiros.
Ungüentos. Emplastos. Ervas.
Senzalas. Tronco. Chibata.
Congos. Angolas. Benguelas.
Ó imenso tumulto humano!
E as idéias.

Banquetes. Gamão. Notícias.
Livros. Gazetas. Querelas.
Alvarás. Decretos. Cartas.
A Europa a ferver em guerras.
Portugal todo de luto:
triste Rainha o governa!
Ouro! Ouro! Pedem mais ouro!
E sugestões indiscretas:
Tão longe o trono se encontra!
Quem no Brasil o tivera!
Ah, se Dom José II
põe a coroa na testa!
Uns poucos de americanos,
por umas praias desertas,
já libertaram seu povo
da prepotente Inglaterra!
Washington. Jefferson. Franklin.
(Palpita a noite, repleta
de fantasmas, de presságios...)
E as idéias.

Doces invenções da Arcádia!
Delicada primavera:
pastoras, sonetos, liras,
- entre as ameaças austeras
de mais impostos e taxas
que uns protelam e outros negam.
Casamentos impossíveis.
Calúnias. Sátiras. Essa
paixão da mediocridade
que na sombra se exaspera.
E os versos de asas douradas,
que amor trazem e amor levam...
Anarda. Nise. Marília...
As verdades e as quimeras.
Outras leis, outras pessoas.
Novo mundo que começa.
Nova raça. Outro destino.
Planos de melhores eras.
E os inimigos atentos,
que, de olhos sinistros, velam.
E os aleives. E as denúncias.
E as idéias.

http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/romanceX.htm





Cecília Meireles
Romance XXI ou das idéias
 
A vastidão desses campos.
A alta muralha das serras.
As lavras inchadas de ouro.
Os diamantes entre as pedras.
Negros, índios e mulatos.
Almocrafes e gamelas.
 
Os rios todos virados.
Toda revirada, a terra.
Capitães, governadores,
padres intendentes, poetas.
Carros, liteiras douradas,
cavalos de crina aberta.
A água a transbordar das fontes.
Altares cheios de velas.
Cavalhadas. Luminárias.
Sinos, procissões, promessas.
Anjos e santos nascendo
em mãos de gangrena e lepra.
Finas músicas broslando
as alfaias das capelas.
Todos os sonhos barrocos
deslizando pelas pedras.
Pátios de seixos. Escadas.
Boticas. Pontes. Conversas.
Gente que chega e que passa.
E as idéias.
 
Amplas casas. Longos muros.
Vida de sombras inquietas.
Pelos cantos da alcovas,
histerias de donzelas.
Lamparinas, oratórios,
bálsamos, pílulas, rezas.
Orgulhosos sobrenomes.
Intrincada parentela.
No batuque das mulatas,
a prosápia degenera:
pelas portas dos fidalgos,
na lã das noites secretas,
meninos recém-nascidos
como mendigos esperam.
Bastardias. Desavenças.
Emboscadas pela treva.
Sesmarias, salteadores.
Emaranhadas invejas.
O clero. A nobreza. O povo.
E as idéias.
 
E as mobílias de cabiúna.
E as cortinas amarelas.
Dom José. Dona Maria.
Fogos. Mascaradas. Festas.
Nascimentos. Batizados.
Palavras que se interpretam
nos discursos, nas saúdes . . .
Visitas. Sermões de exéquias.
Os estudantes que partem.
Os doutores que regressam.
(Em redor das grandes luzes,
há sempre sombras perversas.
Sinistros corvos espreitam
pelas douradas janelas.)
E há mocidade! E há prestígio.
E as idéias.
 
As esposas preguiçosas
na rede embalando as sestas.
Negras de peitos robustos
que os claros meninos cevam.
Arapongas, papagaios,
passarinhos da floresta.
Essa lassidão do tempo
entre imbaúbas, quaresmas,
cana, milho, bananeiras
e a brisa que o riacho encrespa.
Os rumores familiares
que a lenta vida atravessam:
elefantíase; partos;
sarna; torceduras; quedas;
sezões; picadas de cobras;
sarampos e erisipelas . . .
Candombeiros. Feiticeiros.
Ungüentos. Emplastos. Ervas.
Senzalas. Tronco. Chibata.
Congos. Angolas. Benguelas.
Ó imenso tumulto humano!
E as idéias.
 
Banquetes. Gamão. Notícias.
Livros. Gazetas. Querelas.
Alvarás. Decretos. Cartas.
A Europa a ferver em guerras.
Portugal todo de luto:
triste Rainha o governa!
Ouro! Ouro! Pedem mais ouro!
E sugestões indiscretas:
Tão longe o trono se encontra!
Quem no Brasil o tivera!
Ah, se Dom José II
põe a coroa na testa!
Uns poucos de americanos,
por umas praias desertas,
já libertaram seu povo
da prepotente Inglaterra!
Washington. Jefferson. Franklin.
(Palpita a noite, repleta
de fantasmas, de presságios . . .)
E as idéias.
 
Doces invenções da Arcádia!
Delicada primavera:
pastoras, sonetos, liras,
— entre as ameaças austeras
de mais impostos e taxas
que uns protelam e outros negam.
Casamentos impossíveis.
Calúnias. Sátiras. Essa
paixão da mediocridade
que na sombra se exaspera.
E os versos de asas douradas,
que amor trazem e amor levam . . .
Anarda. Nise. Marília . . .
As verdades e as quimeras.
Outras leis, outras pessoas.
Novo mundo que começa.
Nova raça. Outro destino.
Planos de melhores eras.
E os inimigos atentos,
que, de olhos sinistros, velam.
E os aleives. E as denúncias.
E as idéias.








http://www.jornaldepoesia.jor.br/ceciliameireles03.html


¡Buenas! Hoy es miércoles, diciembre 21, 2016 y son las 9:59 pm 
Jorge Luis Borges
(1899–1986)


Pierre Menard, autor del Quijote
(El jardín de senderos que se bifurcan (1941;
Ficciones, 1944)

A Silvina Ocampo
         La obra visible que ha dejado este novelista es de fácil y breve enumeración. Son, por lo tanto, imperdonables las omisiones y adiciones perpetradas por madame Henri Bachelier en un catálogo falaz que cierto diario cuya tendencia protestante no es un secreto ha tenido la desconsideración de inferir a sus deplorables lectores —si bien estos son pocos y calvinistas, cuando no masones y circuncisos. Los amigos auténticos de Menard han visto con alarma ese catálogo y aun con cierta tristeza. Diríase que ayer nos reunimos ante el mármol final y entre los cipreses infaustos y ya el Error trata de empañar su Memoria... Decididamente, una breve rectificación es inevitable.
          Me consta que es muy fácil recusar mi pobre autoridad. Espero, sin embargo, que no me prohibirán mencionar dos altos testimonios. La baronesa de Bacourt (en cuyos vendredis inolvidables tuve el honor de conocer al llorado poeta) ha tenido a bien aprobar las líneas que siguen. La condesa de Bagnoregio, uno de los espíritus más finos del principado de Mónaco (y ahora de Pittsburgh, Pennsylvania, después de su reciente boda con el filántropo internacional Simón Kautzsch, tan calumniado, ¡ay!, por las víctimas de sus desinteresadas maniobras) ha sacrificado “a la veracidad y a la muerte” (tales son sus palabras) la señoril reserva que la distingue y en una carta abierta publicada en la revista Luxe me concede asimismo su beneplácito. Esas ejecutorias, creo, no son insuficientes.
          He dicho que la obra visible de Menard es fácilmente enumerable. Examinado con esmero su archivo particular, he verificado que consta de las piezas que siguen:
          a) Un soneto simbolista que apareció dos veces (con variaciones) en la revista La Conque (números de marzo y octubre de 1899).
          b) Una monografía sobre la posibilidad de construir un vocabulario poético de conceptos que no fueran sinónimos o perífrasis de los que informan el lenguaje común, “sino objetos ideales creados por una convención y esencialmente destinados a las necesidades poéticas” (Nîmes, 1901).
          c) Una monografía sobre “ciertas conexiones o afinidades” del pensamiento de Descartes, de Leibniz y de John Wilkins (Nîmes, 1903).
          d) Una monografía sobre la Characteristica Universalis de Leibniz (Nîmes, 1904).
          e) Un artículo técnico sobre la posibilidad de enriquecer el ajedrez eliminando uno de los peones de torre. Menard propone, recomienda, discute y acaba por rechazar esa innovación.
          f) Una monografía sobre el Ars Magna Generalis de Ramón Llull (Nîmes, 1906).
          g) Una traducción con prólogo y notas del Libro de la invención liberal y arte del juego del axedrez de Ruy López de Segura (París, 1907).
          h) Los borradores de una monografía sobre la lógica simbólica de George Boole.
          i) Un examen de las leyes métricas esenciales de la prosa francesa, ilustrado con ejemplos de Saint­Simon (Revue des Langues Romanes, Montpellier, octubre de 1909).
          j) Una réplica a Luc Durtain (que había negado la existencia de tales leyes) ilustrada con ejemplos de Luc Durtain (Revue des Langues Romanes, Montpellier, diciembre de 1909).
          k) Una traducción manuscrita de la Aguja de navegar cultos de Quevedo, intitulada La Boussole des précieux.
          l) Un prefacio al catálogo de la exposición de litografías de Carolus Hourcade (Nîmes, 1914).
          m) La obra Les Problèmes d'un problème (París, 1917) que discute en orden cronológico las soluciones del ilustre problema de Aquiles y la tortuga. Dos ediciones de este libro han aparecido hasta ahora; la segunda trae como epígrafe el consejo de Leibniz Ne craignez point, monsieur, la tortue, y renueva los capítulos dedicados a Russell y a Descartes.
          n) Un obstinado análisis de las “costumbres sintácticas” de Toulet (N.R.F., marzo de 1921). Menard ­recuerdo­ declaraba que censurar y alabar son operaciones sentimentales que nada tienen que ver con la crítica.
          o) Una transposición en alejandrinos del Cimetière marin, de Paul Valéry (N.R.F., enero de 1928).
          p) Una invectiva contra Paul Valéry, en las Hojas para la supresión de la realidad de Jacques Reboul. (Esa invectiva, dicho sea entre paréntesis, es el reverso exacto de su verdadera opinión sobre Valéry. Éste así lo entendió y la amistad antigua de los dos no corrió peligro.)
          q) Una “definición” de la condesa de Bagnoregio, en el “victorioso volumen” ­la locución es de otro colaborador, Gabriele d'Annunzio­ que anualmente publica esta dama para rectificar los inevitables falseos del periodismo y presentar “al mundo y a Italia” una auténtica efigie de su persona, tan expuesta (en razón misma de su belleza y de su actuación) a interpretaciones erróneas o apresuradas.
          r) Un ciclo de admirables sonetos para la baronesa de Bacourt (1934).
          s) Una lista manuscrita de versos que deben su eficacia a la puntuación.[1]
          Hasta aquí (sin otra omisión que unos vagos sonetos circunstanciales para el hospitalario, o ávido, álbum de madame Henri Bachelier) la obra visible de Menard, en su orden cronológico. Paso ahora a la otra: la subterránea, la interminablemente heroica, la impar. También, ¡ay de las posibilidades del hombre!, la inconclusa. Esa obra, tal vez la más significativa de nuestro tiempo, consta de los capítulos noveno y trigésimo octavo de la primera parte del Don Quijote y de un fragmento del capítulo veintidós. Yo sé que tal afirmación parece un dislate; justificar ese “dislate” es el objeto primordial de esta nota.[2]
          Dos textos de valor desigual inspiraron la empresa. Uno es aquel fragmento filológico de Novalis —­el que lleva el número 2005 en la edición de Dresden­— que esboza el tema de la total identificación con un autor determinado. Otro es uno de esos libros parasitarios que sitúan a Cristo en un bulevar, a Hamlet en la Cannebiére o a don Quijote en Wall Street. Como todo hombre de buen gusto, Menard abominaba de esos carnavales inútiles, sólo aptos ­decía­ para ocasionar el plebeyo placer del anacronismo o (lo que es peor) para embelesarnos con la idea primaria de que todas las épocas son iguales o de que son distintas. Más interesante, aunque de ejecución contradictoria y superficial, le parecía el famoso propósito de Daudet: conjugar en una figura, que es Tartarín, al Ingenioso Hidalgo y a su escudero... Quienes han insinuado que Menard dedicó su vida a escribir un Quijote contemporáneo, calumnian su clara memoria.
          No quería componer otro Quijote —lo cual es fácil— sino el Quijote. Inútil agregar que no encaró nunca una transcripción mecánica del original; no se proponía copiarlo. Su admirable ambición era producir unas páginas que coincidieran ­palabra por palabra y línea por línea­ con las de Miguel de Cervantes.
          “Mi propósito es meramente asombroso”, me escribió el 30 de septiembre de 1934 desde Bayonne. “El término final de una demostración teológica o metafísica —el mundo externo, Dios, la causalidad, las formas universales— no es menos anterior y común que mi divulgada novela. La sola diferencia es que los filósofos publican en agradables volúmenes las etapas intermediarias de su labor y que yo he resuelto perderlas.” En efecto, no queda un solo borrador que atestigüe ese trabajo de años.
          El método inicial que imaginó era relativamente sencillo. Conocer bien el español, recuperar la fe católica, guerrear contra los moros o contra el turco, olvidar la historia de Europa entre los años de 1602 y de 1918, ser Miguel de Cervantes. Pierre Menard estudió ese procedimiento (sé que logró un manejo bastante fiel del español del siglo diecisiete) pero lo descartó por fácil. ¡Más bien por imposible! dirá el lector. De acuerdo, pero la empresa era de antemano imposible y de todos los medios imposibles para llevarla a término, éste era el menos interesante. Ser en el siglo veinte un novelista popular del siglo diecisiete le pareció una disminución. Ser, de alguna manera, Cervantes y llegar al Quijote le pareció menos arduo ­por —consiguiente, menos interesante— que seguir siendo Pierre Menard y llegar al Quijote, a través de las experiencias de Pierre Menard. (Esa convicción, dicho sea de paso, le hizo excluir el prólogo autobiográfico de la segunda parte del Don Quijote. Incluir ese prólogo hubiera sido crear otro personaje —Cervantes— pero también hubiera significado presentar el Quijote en función de ese personaje y no de Menard. Éste, naturalmente, se negó a esa facilidad.) “Mi empresa no es difícil, esencialmente” leo en otro lugar de la carta. “Me bastaría ser inmortal para llevarla a cabo.” ¿Confesaré que suelo imaginar que la terminó y que leo el Quijote —todo el Quijote— como si lo hubiera pensado Menard? Noches pasadas, al hojear el capítulo xxvi —no ensayado nunca por él— reconocí el estilo de nuestro amigo y como su voz en esta frase excepcional: las ninfas de los ríos, la dolorosa y húmida Eco. Esa conjunción eficaz de un adjetivo moral y otro físico me trajo a la memoria un verso de Shakespeare, que discutimos una tarde:
Where a malignant and a turbaned Turk...
          ¿Por qué precisamente el Quijote? dirá nuestro lector. Esa preferencia, en un español, no hubiera sido inexplicable; pero sin duda lo es en un simbolista de Nîmes, devoto esencialmente de Poe, que engendró a Baudelaire, que engendró a Mallarmé, que engendró a Valéry, que engendró a Edmond Teste. La carta precitada ilumina el punto. “El Quijote”, aclara Menard, “me interesa profundamente, pero no me parece ¿cómo lo diré? inevitable. No puedo imaginar el universo sin la interjección de Edgar Allan Poe:
Ah, bear in mind this garden was enchanted!
o sin el Bateau ivre o el Ancient Mariner, pero me sé capaz de imaginarlo sin el Quijote. (Hablo, naturalmente, de mi capacidad personal, no de la resonancia histórica de las obras.) El Quijote es un libro contingente, el Quijote es innecesario. Puedo premeditar su escritura, puedo escribirlo, sin incurrir en una tautología. A los doce o trece años lo leí, tal vez íntegramente. Después, he releído con atención algunos capítulos, aquellos que no intentaré por ahora. He cursado asimismo los entremeses, las comedias, la Galatea, las Novelas ejemplares, los trabajos sin duda laboriosos de Persiles y Segismunda y el Viaje del Parnaso... Mi recuerdo general del Quijote, simplificado por el olvido y la indiferencia, puede muy bien equivaler a la imprecisa imagen anterior de un libro no escrito. Postulada esa imagen (que nadie en buena ley me puede negar) es indiscutible que mi problema es harto más difícil que el de Cervantes. Mi complaciente precursor no rehusó la colaboración del azar: iba componiendo la obra inmortal un poco à la diable, llevado por inercias del lenguaje y de la invención. Yo he contraído el misterioso deber de reconstruir literalmente su obra espontánea. Mi solitario juego está gobernado por dos leyes polares. La primera me permite ensayar variantes de tipo formal o psicológico; la segunda me obliga a sacrificarlas al texto ‘original’ y a razonar de un modo irrefutable esa aniquilación... A esas trabas artificiales hay que sumar otra, congénita. Componer el Quijote a principios del siglo diecisiete era una empresa razonable, necesaria, acaso fatal; a principios del veinte, es casi imposible. No en vano han transcurrido trescientos años, cargados de complejísimos hechos. Entre ellos, para mencionar uno solo: el mismo Quijote.”
          A pesar de esos tres obstáculos, el fragmentario Quijote de Menard es más sutil que el de Cervantes. Éste, de un modo burdo, opone a las ficciones caballerescas la pobre realidad provinciana de su país; Menard elige como “realidad” la tierra de Carmen durante el siglo de Lepanto y de Lope. ¡Qué españoladas no habría aconsejado esa elección a Maurice Barrès o al doctor Rodríguez Larreta! Menard, con toda naturalidad, las elude. En su obra no hay gitanerías ni conquistadores ni místicos ni Felipe II ni autos de fe. Desatiende o proscribe el color local. Ese desdén indica un sentido nuevo de la novela histórica. Ese desdén condena a Salammbô, inapelablemente.
          No menos asombroso es considerar capítulos aislados. Por ejemplo, examinemos el xxxviii de la primera parte, “que trata del curioso discurso que hizo don Quixote de las armas y las letras”. Es sabido que don Quijote (como Quevedo en el pasaje análogo, y posterior, de La hora de todos) falla el pleito contra las letras y en favor de las armas. Cervantes era un viejo militar: su fallo se explica. ¡Pero que el don Quijote de Pierre Menard —hombre contemporáneo de La trahison des clercs y de Bertrand Russell— reincida en esas nebulosas sofisterías! Madame Bachelier ha visto en ellas una admirable y típica subordinación del autor a la psicología del héroe; otros (nada perspicazmente) una transcripción del Quijote; la baronesa de Bacourt, la influencia de Nietzsche. A esa tercera interpretación (que juzgo irrefutable) no sé si me atreveré a añadir una cuarta, que condice muy bien con la casi divina modestia de Pierre Menard: su hábito resignado o irónico de propagar ideas que eran el estricto reverso de las preferidas por él. (Rememoremos otra vez su diatriba contra Paul Valéry en la efímera hoja superrealista de Jacques Reboul.) El texto de Cervantes y el de Menard son verbalmente idénticos, pero el segundo es casi infinitamente más rico. (Más ambiguo, dirán sus detractores; pero la ambigüedad es una riqueza.)
          Es una revelación cotejar el Don Quijote de Menard con el de Cervantes. Éste, por ejemplo, escribió (Don Quijote, primera parte, noveno capítulo):

         ... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.

         Redactada en el siglo diecisiete, redactada por el “ingenio lego” Cervantes, esa enumeración es un mero elogio retórico de la historia. Menard, en cambio, escribe:

         ... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.

         La historia, madre de la verdad; la idea es asombrosa. Menard, contemporáneo de William James, no define la historia como una indagación de la realidad sino como su origen. La verdad histórica, para él, no es lo que sucedió; es lo que juzgamos que sucedió. Las cláusulas finales —ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir— son descaradamente pragmáticas.
          También es vívido el contraste de los estilos. El estilo arcaizante de Menard —extranjero al fin— adolece de alguna afectación. No así el del precursor, que maneja con desenfado el español corriente de su época.
          No hay ejercicio intelectual que no sea finalmente inútil. Una doctrina es al principio una descripción verosímil del universo; giran los años y es un mero capítulo —cuando no un párrafo o un nombre— de la historia de la filosofía. En la literatura, esa caducidad es aún más notoria. El Quijote —me dijo Menard— fue ante todo un libro agradable; ahora es una ocasión de brindis patriótico, de soberbia gramatical, de obscenas ediciones de lujo. La gloria es una incomprensión y quizá la peor.
          Nada tienen de nuevo esas comprobaciones nihilistas; lo singular es la decisión que de ellas derivó Pierre Menard. Resolvió adelantarse a la vanidad que aguarda todas las fatigas del hombre; acometió una empresa complejísima y de antemano fútil. Dedicó sus escrúpulos y vigilias a repetir en un idioma ajeno un libro preexistente. Multiplicó los borradores; corrigió tenazmente y desgarró miles de páginas manuscritas.[3] No permitió que fueran examinadas por nadie y cuidó que no le sobrevivieran. En vano he procurado reconstruirlas.
          He reflexionado que es lícito ver en el Quijote “final” una especie de palimpsesto, en el que deben traslucirse los rastros —Tenues pero no indescifrables— de la “previa” escritura de nuestro amigo. Desgraciadamente, sólo un segundo Pierre Menard, invirtiendo el trabajo del anterior, podría exhumar y resucitar esas Troyas...
          “Pensar, analizar, inventar (me escribió también) no son actos anómalos, son la normal respiración de la inteligencia. Glorificar el ocasional cumplimiento de esa función, atesorar antiguos y ajenos pensamientos, recordar con incrédulo estupor que el doctor universalis pensó, es confesar nuestra languidez o nuestra barbarie. Todo hombre debe ser capaz de todas las ideas y entiendo que en el porvenir lo será.”
          Menard (acaso sin quererlo) ha enriquecido mediante una técnica nueva el arte detenido y rudimentario de la lectura: la técnica del anacronismo deliberado y de las atribuciones erróneas. Esa técnica de aplicación infinita nos insta a recorrer la Odisea como si fuera posterior a la Eneida y el libro Le jardin du Centaure de madame Henri Bachelier como si fuera de madame Henri Bachelier. Esa técnica puebla de aventura los libros más calmosos. Atribuir a Louis Ferdinand Céline o a James Joyce la Imitación de Cristo ¿no es una suficiente renovación de esos tenues avisos espirituales?

Nîmes, 1939


[1] Madame Henri Bachelier enumera asimismo una versión literal de la versión literal que hizo Quevedo de la Introduction à la vie dévote de san Francisco de Sales. En la biblioteca de Pierre Menard no hay rastros de tal obra. Debe tratarse de una broma de nuestro amigo, mal escuchada.

[2] Tuve también el propósito secundario de bosquejar la imagen de Pierre Menard. Pero ¿cómo atreverme a competir con las páginas áureas que me dicen prepara la baronesa de Bacourt o con el lápiz delicado y puntual de Carolus Hourcade?

[3] Recuerdo sus cuadernos cuadriculados, sus negras tachaduras, sus peculiares símbolos tipográficos y su letra de insecto. En los atardeceres le gustaba salir a caminar por los arrabales de Nîmes; solía llevar consigo un cuaderno y hacer una alegre fogata.





http://www.literatura.us/borges/pierre.html




Pierre  Menard,  autor do Quixote
A Silvina Ocampo
 
A obra visível que deixou este romancista é de fácil e breve enumeração. São, portanto, imperdoáveis as omissões e acréscimos perpetrados por Madame Henri Bachelier num catálogo falacioso que certo diário cuja tendência protestante não é segredo teve a desconsideração de infligir aos seus deploráveis leitores — embora estes sejam poucos e calvinistas, quando não mações e circuncisados. Os amigos autênticos de Menard viram com alarme esse catálogo e também com certa tristeza. Dir-se-ia que ainda ontem nos reunimos diante do mármore final e no meio dos ciprestes infaustos e já o Erro tenta deslustrar a sua Memória... Decididamente, é inevitável uma breve rectificação.
Consta-me que é facílimo recusar a minha pobre autoridade. Espero, no entanto, que não me proíbam de mencionar dois elevados testemunhos. A baronesa de Bacourt (em cujos vendredis inesquecíveis tive a honra de conhecer o chorado poeta) julgou por bem aprovar as linhas que se seguem. A condessa de Bagnoregio, um dos espíritos mais finos do principado do Mónaco (e agora de Pittsburgh, Pensilvânia, após o seu recente casamento com o filantropo internacional Simon Kautzsch, tão caluniado, ai!, pelas vítimas das suas desinteressadas manobras) sacrificou «à veracidade e à morte» (tais são as suas palavras) a senhoril reserva que a distingue e numa carta aberta publicada na revista Luxe concede-me igualmente o seu beneplácito. Estas nobres acções, creio eu, não são insuficientes.
Disse que a obra visível de Menard é facilmente enumerável. Examinado com o maior cuidado o seu arquivo particular, verifiquei que consta das peças seguintes:
a) Um soneto simbolista que apareceu duas vezes (com variantes) na revista La conque (números de Março e Outubro de 1899).
b) Uma monografia sobre a possibilidade de construir um vocabulário poético de conceitos que não sejam sinónimos ou perífrases de que se forma a linguagem comum, «mas objectos ideais criados por uma ,convenção e essencialmente destinados às necessidades poéticas» (Nîmes, 1901).
c) Uma monografia sobre «certas conexões ou afinidades» do pensamento de Descartes, de Leibniz e de John Wilkins (Nîmes, 1903).
d) Uma monografia sobre a Characteristica universalis de Leibniz (Mines, 1904).
e) Um artigo técnico sobre a possibilidade de enriquecer o xadrez eliminando um dos peões de torre. Menard propõe, recomenda, discute e acaba por rejeitar esta inovação.
f) Uma monografia sobre a Ars magna generalis de Ramon Lull (Nîmes, 1906).
g) Uma tradução com prólogo e notas do Livro da Invenção Liberal e Arte do Jogo de Xadrez de Ruy López de Segura (Paris, 1907).
h) Os rascunhos de uma monografia sobre a lógica simbólica de George Boole.
i) Uma análise das leis métricas essenciais da prosa francesa, ilustrada com exemplos de Saint-Simon (Revue des langues romanes, Montpellier, Outubro de 1909).
j) Uma réplica a Luc Durtain (que negara a existência de tais leis) ilustrada com exemplos de Luc Durtain (Revue des langues romanes, Montpellier, Dezembro de 1909).
k) Uma tradução manuscrita da Aguja de navegar cultos de Quevedo, intitulada La boussole des précieux.
l) Um prefácio ao catálogo da exposição de litografias de Carolus Hourcade (Nîmes, 1914).
m) A obra Les problèmes d'un problème (Paris, 1917) que discute por ordem cronológica as soluções do ilustre problema de Aquiles e da tartaruga. Surgiram até agora duas edições deste livro; a segunda traz como epígrafe o conselho de Leibniz «Ne craignez point, monsieur, la tortue», e remodela os capítulos dedicados a Russell e a Descartes.
n) Uma obstinada análise dos «costumes sintácticos» de Toulet (N. R. F., Março de 1921). Menard — recordo — declarou que censurar e louvar são operações sentimentais que nada têm a ver com a crítica.
o) Uma transposição em alexandrinos do Cimetière marin de Paul Valéry (N. R. F., Janeiro de 1928).
p) Uma invectiva contra Paul Valéry, nas Folhas para a Supressão da Realidade de Jacques Reboul. (Esta invectiva, diga-se entre parênteses, é o reverso exacto da sua verdadeira opinião sobre Valéry. Este assim o entendeu e a amizade antiga entre os dois não correu perigo).
q) Uma «definição» da condessa de Bagnoregio, no «vitorioso volume» — a locução é de outro colaborador, Gabriele d'Annunzio — que anualmente publica esta dama para rectificar os inevitáveis falseamentos do jornalismo e apresentar «ao mundo e à Itália» uma autêntica imagem da sua pessoa, tão exposta (pela própria razão da sua beleza e da sua actuação) a interpretações erróneas ou apressadas.
r) Um ciclo de admiráveis sonetos para a baronesa de Bacourt (1934).
s) Uma lista manuscrita de versos que devem a sua eficácia à pontuação[1].
Até aqui (sem outra omissão além de uns vagos sonetos de circunstância para o hospitaleiro, ou ávido, álbum de Madame Henri Bachelier) a obra visível de Menard, na sua ordem cronológica. Passo agora à outra: a subterrânea, a interminavelmente heróica, a ímpar. E também — ai das possibilidades do homem! — a inacabada. Esta obra, talvez a mais significativa do nosso tempo, consta dos capítulos nono e trigésimo oitavo da primeira parte do Dom Quixote e de um fragmento do capítulo vinte e dois. Sei que esta afirmação parece um dislate; justificar este «dislate» é o objectivo primordial desta nota[2].
Dois textos de valor desigual inspiraram a empresa. Um é aquele fragmento filológico de Novalis — o que tem o número 2005 na edição de Dresden — que esboça o tema da total identificação com um autor determinado. Outro é um desses livros parasitários que situam Cristo num bulevar, Hamlet na Cannebière ou Dom Quixote na Wall Street. Como todo o homem de bom gosto, Menard abominava estes carnavais inúteis, só aptos — dizia — para ocasionar o plebeu prazer do anacronismo ou (o que é ainda pior) para nos encantar com a ideia primária de que todas as épocas são iguais ou de que são diferentes. Mais interessante, embora de execução contraditória e superficial, achava ele o famoso propósito de Daudet: conjugar numa figura, que é o Tartarín, o Engenhoso Fidalgo e o seu escudeiro... Quem insinuar que Menard dedicou a sua vida a escrever um Quixote contemporâneo, calunia a sua brilhante memória.
Não queria compor outro Quixote — o que é fácil —, mas «o» Quixote. Não vale a pena acrescentar que nunca encarou a possibilidade de uma transcrição mecânica do original; não se propunha copiá-lo. A sua admirável ambição era produzir umas páginas que coincidissem — palavra por palavra e linha por linha — com as de Miguel de Cervantes.
«O meu propósito é simplesmente espantoso», escreveu-me a 30 de Setembro de 1934 de Bayonne. «O termo final de uma demonstração teológica ou metafísica — o mundo exterior, Deus, a casualidade, as for­mas universais — não é menos anterior e comum que o meu divulgado romance. A única diferença é que os filósofos publicam em agradáveis volumes as fases intermédias do seu labor e eu resolvi que se perdes­sem.» Com efeito, não resta um só rascunho que testemunhe este trabalho de anos.
O método inicial que imaginou era relativamente simples. Conhecer bem o espanhol, recuperar a fé católica, guerrear contra os Mouros ou contra o Turco, esquecer a história da Europa entre os anos de 1602 e de 1918, ser Miguel de Cervantes. Pierre Menard estudou esse procedimen­to (sei que conseguiu um manejo bastante fiel do espanhol do sécu­lo XVII), mas rejeitou-o por fácil. Ou antes, por impossível!, dirá o leitor. De acordo, mas a empresa era de antemão impossível, e de todos os meios impossíveis para a levar a cabo este era o menos interessante. Ser no século xx um romancista popular do século XVII pareceu-lhe uma diminuição. Ser, de algum modo, Cervantes e chegar ao Quixote pareceu­-lhe menos árduo — por conseguinte, menos interessante — do que con­tinuar a ser Pierre Menard e chegar ao Quixote, através das experiências de Pierre Menard. (Esta convicção, diga-se de passagem, fê-lo excluir o prólogo autobiográfico da segunda parte do Dom Quixote. Incluir este prólogo seria criar outra personagem — Cervantes —, mas também si­gnificaria apresentar o Quixote em função dessa personagem e não de Menard. Este, naturalmente, recusou-se a essa facilidade.) «A minha em­presa não é difícil, no essencial», leio noutro local da carta. «Bastar-me­-ia ser imortal para a levar a cabo.» Confessarei que costumo imaginar que ele a terminou e leio o Quixote — todo o Quixote — como se o ti­vesse pensado Menard? Uma noite destas, ao folhear o capítulo XXVI — nunca tentado por ele —, reconheci o estilo do nosso amigo e como que a sua voz nesta frase excepcional: las ninfas de los rios, la dolorosa y húmida Eco. Esta conjunção eficaz de um adjectivo moral e outro físico trouxe-me à memória um verso de Shakespeare, que discutimos uma tarde:
 
Where a malignant and a turbaned Turk...
 
Porquê precisamente o Quixote?, dirá o nosso leitor. Esta preferên­cia, num espanhol, não teria sido inexplicável; mas é-o sem dúvida num simbolista de Nîmes, devoto essencialmente de Poe, que gerou Baudelaire, que gerou Mallarmé, que gerou Valéry, que gerou Edmond Teste. A carta já citada ilumina este ponto. «O Quixote», esclarece Menard, «interessa-me profundamente, mas não me parece, como direi?, inevitá­vel. Não posso imaginar o universo sem a interjeição de Poe:
 
Ah, bear in mind this garden was enchanted!
 
ou sem o Bateau ivre ou o Ancient Mariner, mas sei-me capaz de imagi­ná-lo sem o Quixote. (Falo naturalmente da minha capacidade pessoal, não da ressonância histórica das obras.) O Quixote é um livro contin­gente, o Quixote é desnecessário. Posso premeditar a sua escrita, posso escrevê-lo, sem incorrer numa tautologia. Aos doze ou treze anos li-o, talvez integralmente. Depois reli com atenção alguns capítulos, os que não irei tentar por agora. Estudei igualmente os entremezes, as comédias, A Galateia, as Novelas Exemplares, os trabalhos sem dúvida laboriosos de Persiles e Segismunda e a Viagem do Parnaso... A minha lembrança geral do Quixote, simplificada pelo esquecimento e pela indiferença, pode muito bem equivaler à imprecisa imagem anterior de um livro não escrito. Postulada esta imagem (que ninguém em boa-fé me pode negar) é indiscutível que o meu problema é muito mais difícil que o de Cervan­tes. O meu complacente precursor não recusou a colaboração do acaso: ia compondo a obra imortal um pouco à la diable, levado por inércias da linguagem e da invenção. Eu contraí o misterioso dever de reconstruir li­teralmente a sua obra espontânea. O meu solitário jogo é governado por duas leis polares. A primeira permite-me experimentar variantes de tipo formal ou psicológico; a segunda obriga-me a sacrificá-las ao texto "ori­ginal" e a raciocinar de um modo irrefutável essa anulação... A estes en­traves artificiais tem de se juntar outro, congénito. Compor o Quixote nos princípios do século XVII era uma empresa razoável, necessária, por­ventura até fatal; nos princípios do xx, é quase impossível. Não foi em vão que transcorreram trezentos anos, carregados de complexíssimos factos. Entre os quais, para mencionar um único: o próprio Quixote.»
Apesar destes três obstáculos, o fragmentário Quixote de Menard é mais subtil que o de Cervantes. Este, de um modo grosseiro, opõe às fic­ções cavaleirescas a pobre realidade provinciana do seu país; Menard es­colhe como «realidade» a terra de Carmen durante o século de Lepanto e de Lope. Que espanholadas não teria aconselhado essa opção a Mauri­ce Barrès ou do doutor Rodríguez Larreta! Menard, com toda a naturali­dade, evita-as. Na sua obra não há nem ciganadas, nem conquistadores, nem místicos, nem Filipe II, nem autos-de-fé. Desatende ou proscreve a cor local. Este desdém indica um sentido novo do romance histórico. Este desdém condena Salambo, inapelavelmente.
Não menos assombroso é considerar capítulos isolados. Por exem­plo, consideremos o XXXVIII da primeira parte, «que trata do curioso discurso que fez Dom Quixote das armas e das letras». É sabido que Dom Quixote (tal como Quevedo na passagem análoga, e posterior, de La hora de todos) falha o pleito contra as letras e a favor das armas. Cer­vantes era um velho militar: a sua falha explica-se. Mas que o Dom Qui­xote de Pierre Menard — homem contemporâneo de La trahison des clercs e de Bertrand Russell — reincida nesses nebulosos sofismas! Ma­dame Bachelier viu nelas uma admirável e típica subordinação do autor à psicologia do herói; outros (nada perspicazmente) uma transcrição do Quixote; a baronesa de Bacourt, a influência de Nietzsche. A esta tercei­ra interpretação (que julgo irrefutável) não sei se me atreverei a acrescen­tar uma quarta, que condiz muito bem com a quase divina modéstia de Pierre Menard: o seu hábito resignado ou heróico de propagar ideias que eram o rigoroso reverso das preferidas por ele. (Relembremos outra vez a sua diatribe contra Paul Valéry na efémera folhinha super-realista de Jacques Reboul.) O texto de Cervantes e o de Menard são verbalmente idênticos, mas o segundo é quase infinitamente mais rico. (Mais ambí­guo, dirão os seus detractores; mas a ambiguidade é uma riqueza.)
É uma revelação cotejar o Dom Quixote de Menard com o de Cer­vantes. Este, por exemplo, escreveu (Dom Quixote, primeira parte, nono capítulo):
 
«... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir[3]
 
Redigida no século XVII, redigida pelo «engenho leigo» Cervantes, es­ta enumeração é um simples elogio retórico da História. Menard, em contrapartida, escreve:
 
«... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.»
A história, mãe da verdade: a ideia é espantosa. Menard, contem­porâneo de William James, não define a história como uma investigação da realidade, mas sim como a sua origem. A verdade histórica, para ele, não é o que aconteceu; é o que julgamos que aconteceu. As cláusulas fi­nais — «exemplo e aviso do presente, advertência do porvir» — são desafrontadamente pragmáticas.
Também é vivo o contraste dos estilos. O estilo arcaizante de Menard — estrangeiro mesmo — sofre de uma certa afectação. Não sucede o mesmo com o do precursor, que maneja com desenvoltura o espanhol corrente da sua época.
Não há exercício intelectual que por fim não seja inútil. Uma doutri­na filosófica ao princípio é uma descrição verosímil do universo; passam os anos e é um simples capítulo — quando não um parágrafo ou um no­me — da história da filosofia. Na literatura, esta capacidade final é ainda mais notória. O Quixote — disse-me Menard — foi acima de tudo um livro agradável; agora é uma ocasião de brindes patrióticos, de soberba gramatical, de obscenas edições de luxo. A glória é uma incompreensão, e quiçá a pior.
Nada têm de novo estas comprovações niilistas; o singular é a deci­são que delas fez derivar Pierre Menard. Resolveu adiantar-se à vacuida­de que aguarda todas as fadigas do homem; lançou-se numa empresa complexíssima e de antemão fútil. Dedicou os seus escrúpulos e vigílias a repetir num idioma alheio um livro preexistente. Multiplicou os rascu­nhos; corrigiu tenazmente e rasgou milhares de páginas manuscritas[4]. Não permitiu que fossem analisadas por ninguém e cuidou para que não lhe sobrevivessem. Em vão procurei reconstituí-las.
Reflecti que é lícito ver no Quixote «final» uma espécie de palimpses­to, em que deverão transparecer os vestígios — ténues, mas não indeci­fráveis — da «prévia» escrita do nosso amigo. Infelizmente, só um se­gundo Pierre Menard, invertendo o trabalho do anterior, poderia vir a exumar e ressuscitar essas Tróias...
«Pensar, analisar, inventar (escreveu-me também) não são actos anómalos, são a normal respiração da inteligência. Glorificar o ocasional cumprimento dessa função, entesourar antigos e alheios pensamentos, recordar com ingénua estupefacção o que o doctor universalis pensou, é confessar a nossa fraqueza de espírito ou a nossa barbárie. Todo o homem tem de ser capaz de todas as ideias e entendo que no porvir o será.»
Menard (porventura sem querer) enriqueceu por meio de uma técnica nova a arte estagnada e rudimentar da leitura: a técnica do anacronismo deliberado e das atribuições erróneas. Esta técnica de aplicação infinita insta-nos a percorrer a Odisseia como se fosse posterior à Eneida e o li­vro Le jardin du Centaure de Madame Henri Bachelier como se fosse de Madame Henri Bachelier. Esta técnica povoa de aventura os livros mais calmosos. Atribuir a Louis Ferdinand Céline ou a James Joyce A Imita­ção de Cristo, não é uma suficiente renovação desses ténues avisos espiri­tuais?
Nîmes, 1939.

 


[1] Madame Henri Bachelier enumera igualmente uma versão literal da versão literal que fez Quevedo da Introduction à la vie dévote de São Francisco de Sales. Na biblioteca de Pierre Menard não há vestígios de tal obra. Deve tratar-se de uma piada do nosso amigo, mal ouvida.
[2] Tive também o propósito secundário de esboçar o retrato de Pierre Menard. Porém, como posso ousar competir com as páginas áureas que me dizem que prepara a baronesa de Bacoun ou com o lápis delicado e pontual de Carolus Hourcade?
[3] «…a verdade, cuja mãe é a história, émula do tempo, depósito das acções, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do porvir».
[4] Lembro-me dos seus cadernos quadriculados, das sua negras rasuras, dos seus peculiares símbolos tipográficos e da sua letra de insecto. Ao pôr do Sol gostava de sair a passear pelos redores de Nîmes; costumava levar consigo um caderno e fazer uma alegre fogueira.





“É inevitável ser borgeano no século XXI”
by André Balbo on 14/06/2016 in Colunas, Desleituras
Nesta terça-feira completam-se 30 anos da morte de Jorge Luis Borges. Desleituras conversou com o professor Júlio Pimentel Pinto (FFLCH-USP) sobre a obra e o legado do escritor argentino.





Jorge Luis Borges nasceu em 24 de agosto de 1899, em Buenos Aires, e morreu em 14 de junho de 1986, em Genebra. Conta-me a internet que têm a honra de dividir o mesmo subsolo que Borges: João Calvino e Sérgio Vieira de Mello.
Após essa constatação, quiçá lúgubre, salto do ônibus na Praça Ramos de Azevedo. Entrevistarei — se bem que o termo não me apraz —, conversarei, isso, conversarei com o professor Júlio César Pimentel Pinto Filho*, do Departamento de História da USP, sobre a vida e a obra do escritor portenho. Riscando o Viaduto do Chá com passadas largas, empaco em frente às escadarias e hesito durante alguns segundos: se as desço, alcanço a faculdade pela Rua Riachuelo; se as ignoro e continuo através do viaduto, chegou ao prédio pelo Largo. Ao cabo, opto por ambos os caminhos e, no tempo em que rabisco este prólogo, encontro o professor Júlio assentado num banco das Arcadas. É sua primeira vez no pátio da Faculdade de Direito. Estou morrendo de frio; ele também parece estar. Pouco importa, vamos falar sobre Borges. Como vai, professor?
__
André Balbo — Apesar de ser um dos maiores escritores da Argentina, senão o maior, é comum ouvir dizer que Borges não é tão lido em seu país. Isso é verdade? Por quê?
Prof. Júlio Pimentel — É verdade. Acho que há dois motivos. Em primeiro lugar, a possível dificuldade do texto borgeano. Os textos de Borges têm um alto grau de sofisticação e de erudição, e de fato eles parecem ser difíceis, embora muitas vezes não o sejam. Além disso, como todo bom texto, os de Borges permitem diversos níveis de leitura, desde as mais rasas até aquelas mais profundas, dando forma a dimensões fantásticas que, num primeiro momento, parecem afastar o escritor e suas obras do mundo cotidiano — o que não é verdade. De todo modo, muita gente acaba desistindo de ler ou sequer chega a ler Borges por essa razão. Talvez o mais interessante, portanto, seja começar a ler alguns de seus contos mais simples, como “As ruínas circulares” e “O sul”, presentes em Ficções (1944), e “Os dois reis e os dois labirintos”, presente em O Aleph (1949), e destes para os outros contos, gradativamente.
Em segundo lugar, o peso de suas declarações políticas, principalmente nos anos 60 e no princípio dos anos 70. Não muito disposto a falar de assuntos que não fossem literários, ele soltava a primeira batatada que lhe vinha à cabeça. Borges chegou a elogiar o Videla, o Pinochet… Mas fazia isso quase como brincadeira, ele fazia o tipo de um veillard terrible [velhinho terrível, em francês]. Mas isso fez com que uma parte importante do universo cultural latino-americano se afastasse de Borges por motivos ideológicos. Era uma época em que os julgamentos ideológicos tinham muito peso. Isso de alguma maneira contaminou a geração que hoje tem entre 50 e 60 anos. Atualmente, sabemos que isso é um grande equívoco, primeiramente, porque Borges acabou por se retratar de muitas de suas declarações. Inclusive, por influência de María Kodama [última companheira de Borges], ele se aproximou das Mães da Praça de Maio. Além disso, se formos fazer nossas eleições literárias por razões ideológicas, deixaremos de ler autores importantes, como Céline, Pound, Fernando Pessoa, ou García Márquez, Saramago e tantos outros.
Se formos fazer nossas eleições literárias por razões ideológicas, deixaremos de ler autores importantes, como Céline, Pound, Fernando Pessoa, ou García Márquez, Saramago e tantos outros.
Foi por isso que Borges não ganhou o Nobel?
Sim. Não há dúvida de que [sua não premiação] tenha sido um gesto político. Sabemos que prêmios literários têm inflexões políticas. Nos anos 60, 70, era muito difícil premiar um escritor latino-americano que tivesse tido algum contato com os regimes militares, ainda mais alguém como Borges, que já havia dado opiniões simpáticas a Pinochet.
Portanto você acredita que ele merecia o prêmio?
Do ponto de vista literário, não há dúvida. Borges é o grande escritor latino-americano, e um dos grandes escritores do mundo do século XX. Isso não é o tipo de coisa que se mede, é claro. Certa vez, um repórter que estava entrevistando o Drummond o chamou de “o maior poeta vivo da língua portuguesa”, ao que o mineiro respondeu, ironicamente, “Ah, é? O senhor mediu?”. De qualquer maneira, Borges tem a obra mais complexa, do ponto de vista da construção literária. Além disso, é o autor que teve mais peso em leituras estrangeiras. Não é possível, por exemplo, pensar o Nouveau roman [movimento literário francês dos anos 50-60] sem Borges, e na filosofia, não é possível pensar Foucault sem Borges. Deram o prêmio, por exemplo, pra Gabriela Mistral [poeta chilena, premiada em 1945] e pro Patrick Modiano [escritor francês, agraciado em 2014]… Mas não tem comparação entre a obra destes e a de Borges. Inclusive, só não vou dizer que não tem comparação entre a obra de Borges e a de García Márquez para não provocar polêmica… Enfim, é um demérito para o Nobel não ter premiado Borges. Talvez, se tivesse vivido mais dez anos, ele teria uma chance maior.
É um demérito para o Nobel não ter premiado Borges.
Falando em Drummond, há um verso seu que diz “Há livros escritos para evitar espaços vazios na estante”. Eu costumo completar dizendo “Para evitar espaços vazios na estante é preciso antes esvaziá-la”. Quer dizer, por trás da escrita sempre existe a leitura — é a “desleitura” de que fala Harold Bloom (e que dá o nome a esta coluna). Isso está presente em Borges?
Sem dúvida. Borges diz numa entrevista do começo dos anos 70 que ele era um amanuense do engenho alheio. Ele se orgulhava de ser um leitor, mais do que um escritor. A leitura está no princípio de sua obra. Ele costumava dizer que sempre chegava às coisas depois de tê-las lido, ou seja, antecipava o mundo por meio das leituras. A primeira maneira como a leitura pesa para Borges é pelo fato de que ele considera sua obra uma espécie de junção de fragmentos, uma reunião de textos alheios dispostos numa nova versão. Outra maneira como a leitura pesa é no fato de que, ele próprio, lia e relia suas obras, revisando-as e reescrevendo-as num ritmo quase frenético, obsessivo, seja para controlar a própria obra, seja para controlar a maneira como ela será lida. Borges dizia que eram os sucessores que elegiam seus precursores e determinavam a força de sua obra. Portanto, o “amanuense do engenho alheio”, à primeira vista, parece uma ideia modesta, mas não é. Borges deixa claro que o trabalho do amanuense de recolher fragmentos é muitas vezes o mais importante. “Pierre Menard, o autor do Quixote” é o conto de Borges que melhor pode representar essa poética literária, essa poética de construção de uma escrita que deriva essencialmente da leitura. Esse conto fala sobre um autor que decidiu escrever o Dom Quixote. Não uma cópia ou versão, mas de fato escrever o Quixote original, linha por linha. Na passagem mais célebre do conto, o narrador coteja dois trechos que falam sobre a história, ainda que idênticos, a fim de mostrar como são diferentes. Em Cervantes, o trecho selecionado representaria mero elogio retórico da história. Já em Menard, o mesmo trecho significaria uma problematização do conceito de história. Ao cabo, o Quixote de Menard seria muito superior ao de Cervantes.
Borges se orgulhava de ser um leitor, mais do que um escritor.
Quando se fala em Borges é quase inevitável associá-lo a labirintos e espelhos. Ele tinha algum tipo de tara por esses temas?
[Risos] É curioso, porque de fato normalmente é essa a associação imediata que se faz em torno de Borges, mas teve um norte-americano — e isso é o tipo de coisa que só norte-americano faz — que resolveu contar quantas vezes essas palavras [labirinto e espelho] aparecem na obra de Borges. O número é surpreendentemente pequeno. Ele conclui que na verdade, ao lermos Borges, saímos com uma imagem de uma escrita labiríntica, e por isso o labirinto se torna uma metáfora muito associada a Borges. E além desta, também a imagem do espelho, em razão dos jogos (falsamente) identitários, não tanto entre pessoas, mas entre textos (lembremos de “Pierre Menard”, novamente). Mas, independentemente da quantidade de vezes que essas palavras aparecerem nos textos, acredito que labirintos e espelhos são as metáforas borgeanas centrais para se pensar, no caso dos labirintos, o procedimento literário, o trabalho de criação de texto, por meio dos desvãos, dos impasses, e no caso dos espelhos e prismas, a ideia de um reflexo impreciso, não linear, refratário, uma deturpação da imagem.
De fato, não é o número de vezes que uma palavra aparece o que determina a força de uma metáfora. Basta pensarmos no conto “O jardim de sendeiros que se bifurcam”, do próprio Borges. O conto fala sobre um livro escrito por Ts’ui Pen, no qual não consta uma única vez a palavra “tempo”, e é justamente esse o seu mote: o tempo.
Exatamente.
Ainda sobre labirintos. Na literatura, algumas leituras freudianas identificam nesse tipo de metáfora uma “pulsão de morte”, vale dizer, um pessimismo marcado pela perseguição do próprio ocaso, da própria morte. Borges, com seus labirintos, era um pessimista?
Eu acho que não. Curiosamente, Borges odiava a psicanálise. Ele dizia que era a segunda pior invenção do século XX (embora saibamos que ela data do século XIX). A primeira, naturalmente, era o surrealismo. Mas, não. Vejo em Borges um otimista. Ele repetia que, malgrado as guerras, o nazifascismo — do qual foi opositor —, se o século XX havia alcançado um estágio eticamente superior, era pelo fato de que as pessoas se viam no mínimo forçadas a justificar genocídios. Soa um tanto pueril, à primeira vista, mas mostra algo mais profundo sobre sua visão de mundo. Em Borges, há uma aposta na possibilidade de vida e na ideia de humanidade, que foram esgarçadas nesse período. Ele talvez tenha sido o único autor latino-americano expressivo do século XX que recorria à ideia de humanidade. Não chego a dizer que nele há uma “pulsão de vida” porque não entendo nada de psicanálise, mas, definitivamente, não vejo pessimismo algum em Borges.
Em Borges, há uma aposta na possibilidade de vida e na ideia de humanidade.
É possível ser borgeano no século XXI?
Depende do que se quer dizer com borgeano. Se for naquele sentido vulgar que muitas vezes se utiliza para falar de um sujeito fora da realidade, alienado, diria que não. Mas isso principalmente porque Borges não era nada disso — essas foram invenções da crítica literária argentina dos anos 50, mas que foram desmistificadas na década de 80. Ora, se entendermos borgeano no sentido de uma celebração da leitura, de valorização da capacidade de não se restringir a uma única referência e da percepção do quanto é necessário estabelecer diálogo entre as leituras, penso que é inevitável ser borgeano no século XXI. Borges e o borgeano, nesse sentido mais apropriado do termo, subsistem em nosso tempo.
É inevitável ser borgeano no século XXI.
Quem são os ficcionistas precursores de Borges? Há algum no Brasil?
Vivo, citaria Ricardo Piglia, no cenário argentino. Ele não tem Borges como única matriz, mas grande parte de suas questões, como a problematização da autoria, a leitura e a revisitação do passado, derivam de Borges. Já falecido, mas ainda muito presente, temos Roberto Bolaño, talvez o escritor latino-americano hoje em mais evidência. No Brasil… talvez não seja possível chamar de precursor, mas Borges é muito presente na obra de Milton Hatoum, especialmente em Cinzas do Norte (2005), onde há uma percepção de memória bastante borgeana, mais ou menos numa ideia de que a escrita é uma espécie de cadinho que vai recolhendo as coisas que se processam ao longo do tempo.
E por falar em Brasil: assim como na Argentina, Borges não é muito lido por aqui…
Não só Borges. O Brasil não é um país de leitores.
Sem dúvida. Mas por quê?
É difícil… Tem uma constatação imediata, que é a destruição da escola pública, que aconteceu basicamente no regime militar, de forma gradual. Além disso, o Brasil é um país de bacharéis incultos. O bacharelismo é mera casca, é mera embalagem, não existe qualquer relação entre elite social e elite cultural no país. Entre as famílias existe ainda aquela crença de que seus filhos tenham uma formação superior apenas pelo título, pelo diploma na parede. As universidades têm sua culpa no cartório, a nossa [USP], inclusive, que tem uma dificuldade de comunicação medonha com a sociedade, a ponto de as pessoas não terem ideia de para que serve. A universidade muitas vezes se fecha em suas questão internas, em dilemas bizantinos e disputas brutais, e se volta com grande corporativismo perante o ambiente externo. Nunca se construiu um projeto robusto de educação, a não ser em algumas tentativas episódicas, como as propostas de Darcy Ribeiro ou de Anísio Teixeira, ou, lá atrás, Monteiro Lobato, Mário de Andrade… Tudo isso está relacionado. A leitura não é um valor central no Brasil. Não bastando, há grande dificuldade de profissionalização do escritor, o que torna praticamente impossível em nosso país um escritor viver exclusivamente de seu trabalho. E assim, por quase não existir leitores, as editoras realizam tiragens muito pequenas dos livros, o que eleva seu preço, tornando-os menos acessíveis a quem está disposto a ler.
O Brasil não é um país de leitores (…) As universidades têm sua culpa no cartório, a nossa inclusive, que tem uma dificuldade de comunicação medonha com a sociedade.
Se Borges estivesse vivo, diria que é golpe ou não é golpe?
Borges não diria nem uma coisa nem outra. Ele lamentaria a baixeza de nossas discussões e nosso nível de agressividade.
Para encerrar a conversa ao estilo Marília Gabriela: Borges numa palavra…
Um leitor.


 http://www.jornalarcadas.com.br/30-anos-sem-borges/




Direito & Literatura - 'Pierre Menard', de Jorge Luis Borges



SONATA XXI



Holloway, Ritchie & Manze play Gabrieli - Sonata XXI con tre violini



Giovanni Gabrieli (1557-1612) – The Canzonas and Sonatas from Sacrae Symphoniae (1597)
Publicado em 6 de outubro de 2010 por carlinus
Vamos à Renascença! Caminhemos pela Itália. Como estou com preguiça para escrever, peguei o texto da wikipédia:
Giovanni Gabrieli foi um músico veneziano que viveu entre 1557 e 1612. Em sua juventude permaneceu por quatro anos na corte de Munique, em contato com Orlando di Lasso, mas em 1585, quando seu tio Andrea Gabrieli foi indicado organista da Basílica de São Marcos, em Veneza, Giovanni foi escolhido como seu auxiliar no segundo órgão, e permaneceu neste cargo até a morte do tio, quando assumiu o posto de organista principal, conservando-o por toda a vida. Em 1593, em colaboração com seu tio, publicou algumas Intonazione d’Organo, compreendendo pequenos prelúdios de caráter semi-improvisado, para serem usados em várias partes do serviço religioso. Mas foi com o aparecimento de 14 Canzone, duas Sonate e das Sacrae Symphoniae, em 1597, que ele deixou um marco na história da música italiana. Além de sua qualidade intrínseca estas obras trazem inovações no método de impressão de música, com indicações precisas de dinâmica e de instrumentação [grifo meu]. Outra coleção de Canzone e Sonate veio a público em 1615. Sua música pertence ao período de transição entre o renascimento e o barroco. Mostra ainda alguns traços do período anterior, valendo-se do estilo de escrita para vários coros simultâneos, que já era uma tradição na Basílica, mas com inédita riqueza de timbres e cores sonoras e efeitos antifonais estereofônicos, e que constituiu o ápice do gênero em Veneza. Também foi um dos primeiros venezianos a utilizar o recurso do baixo contínuo, que daria uma feição característica a todo o barroco posterior. Em termos de inovações formais, tomou o antigo modelo da chanson polifônica francesa mas o organizou em torno de um motivo recorrente que, à maneira de refrão, é intercalado entre passagens variadas. Com ele a versão italiana da chanson tornou-se uma forma plenamente autônoma e impregnada de um espírito renovado. Boa apreciação!
Giovanni Gabrieli (1557-1612) – The Canzonas and Sonatas from Sacrae Symphoniae (1597)
1. Canzon duodecimi toni a 10
2. Canzon primi toni a 8
3. Canzon primi toni a 10
4. Toccata quinti toni
5. Canzon duodecimi toni a 10
6. Canzon quarti toni a 15
7. Canzon duodecimi toni a 10
8. Toccata
9. Sonata pian’ e forte a 8, alla bassa
10. Canzon septimi toni a 8
11. Toccata
12. Canzon septimi toni a 8
13. Canzon in echo duodecimi toni a 10
14. Canzon duodecimi toni a 8
15. Canzon in echo duodecimi toni a 10
16. Canzon septimi et octavi toni a 12
17. Sonata octavi toni a 12
18. Canzon in echo duodecimi toni a 10, per concertar con l’organo
19. Intonazione noni toni
20. Canzon noni toni a 8
21. Canzon noni toni a 12
His Majestys Sagbutts and Cornetts
Timothy Roberts





Carlinus




http://pqpbach.sul21.com.br/2010/10/06/giovanni-gabrieli-1557-1612-the-canzonas-and-sonatas-from-sacrae-symphoniae-1597/


Fatos históricos do dia 21 de janeiro
http://noticias.terra.com.br/noticias/img/x.gif
Primeiro filme sonoro
A primeira sessão de um filme rodado em 35mm com som é apresentado em Nova York no dia 21 de janeiro de 1927. O filme foi The Jazz Singer (O Cantor da Jazz), de Alan Crosland, protagonizado por Al Jolson e produzido pela Warner Brothers. Até, então, só existia cinema mudo.
http://noticias.terra.com.br/noticias/img/x.gif
1790 - A Assembleia Constituinte francesa proclama a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
1793 - Luis XVI, da França, morre guilhotinado em Paris.
1812 - As Cortes de Cádiz criam o Conselho de Estado.
1861 - Nasce o padre e cientista Roberto Landell de Moura, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Ele é considerado o inventor do rádio. Em 1893, antes do cientista Guglielmo Marconi testar seu primeiro experimento, Landell realizou, do alto da Avenida Paulista para o alto de Santana, as primeiras transmissões de telegrafia e de telefonia sem fio.
1905 - Nasce Christian Dior, estilista francês.
1906 - Um pacto policial entre Brasil, Argentina, e Uruguai é firmado contra o movimento anarquista nos três países.
1918 - Nasce Marcelino Camacho, dirigente sindicalista espanhol.
1919 - Primeira reunião do Parlamento irlandês, em que se confirma o estabelecimento da República deste país.
1921 - Nasce o Partido Comunista Italiano, encabeçado por Gramsci, que pertencia ao Partido Socialista.
1924 - Morre Vladimir Lênin, líder da Revolução Russa de 1917. Ele foi o primeiro presidente comunista do país.
1930 - O imperador Hiro-Hito dissolve o Parlamento Japonês.
1941 - Nasce Plácido Domingo, tenor espanhol.
1942 - Segunda Guerra mundial: começa a contra-ofensiva alemã no norte da África.
1950 - Morre George Orwell, escritor britânico.
1954 - Nos Estados Unidos, cria-se o Nautilus, primeiro submarino de propulsão atômica.
1965 - Hassan Ali Mansur, primeiro-ministro da Pérsia, atual Irã, é assassinado.
1976 - O avião supersônico de passageiros Concorde inicia os voos.
1980 - Morrem mais de 300 pessoas ao abrir uma praça de touros na Colômbia.
1983 - O Grupo Delfin, a maior empresa privada de poupançaa do Brasil, sofre intervenção. A crise na empresa balança o sistema financeiro de habitação do País no início dos anos 80.
1986 - O rei Juan Carlos I da Espanha, doutor honorário em causa em Direito Civil pela Universidade de Oxford.
1987 - O músico B.B. King doa para a Universidade do Mississipi sua coleção de 7 mil discos.
1987 - Morrem 43 pessoas em um choque entre um ônibus e um caminhão perto da cidade de Temuco (Chile).
1988 - Os Estados Unidos aceitam a imigração de 30 mil crianças que ficaram órfas devido à crise pós-Guerra do Vietnã.
1991 - O novo rei da Noruega, Harald V, jura à Constituição perante o Parlamento.
1997 - O chanceler alemão Helmut Kohl e o primeiro-ministro tcheco Vaclav Klaus assinam uma declaração firmando a reconciliação p
ós-guerra entre a Alemanha e a República Tcheca.
1998 - Jo
ão Paulo II chega em Havana para uma visita de cinco dias a Cuba. A Igreja Católica critica a violação dos direitos humanos no país, assim como a política de bloqueio norteamericano à ilha caribenha.


Redação Terra


http://noticias.terra.com.br/interna/0,,OI113192-EI1411,00-Fatos+historicos+do+dia+de+janeiro.html


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