quarta-feira, 7 de junho de 2017

Trem de doido


"O trem do sertão passava às 12h45m" (ROSA, 2001, p.62).



O tempo e as jabuticabas

“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela
menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela
chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos
para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem
para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões
de ‘confrontação’, onde ‘tiramos fatos a limpo’.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: ‘as pessoas
não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a
essência, minha alma tem pressa…
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não
foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse
amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.’
O essencial faz a vida valer a pena.”
Rubem Alves

“I counted my years and discovered that I will have less time to live
from now on than I have lived so far. I feel like that
girl who won a bowl jabuticabas. The first, she
sucked careless, but realizing that missing a few, gnaws the drupe.
I do not have time to deal with mediocrity.
Do not want to be in meetings where parade inflated egos.
I do not tolerate vanities. Uneasy myself with envious trying to destroy
whom they admire, coveting their places talent and luck.
I do not have time to megalomaniacal projects.
Not attend conferences that set fixed deadlines
to reverse the misery of the world. I do not want to be invited to 
weekend events with the proposal of shaking the millennium.
I do not have time for endless meetings to discuss statutes, rules, procedures and internal regulations.
I do not have time to manage squeamishness of people,
that despite the chronological age are immature.
I do not want to see the clock advancing at meetings
of ‘confrontation’, where we see the facts ‘getting clean’.
I hate doing ascertainment of facts of rivals that fought the majestic office of general secretary of the choir. 
I just remembered Mário de Andrade who said: ‘people
not discuss the contents, just the labels’.
My time has become scarce to discuss labels, I want
essence, my soul is in a hurry …
Not many jabuticabas in bowl, I want to live next to the people
human, all too human; who laugh at his stumbles, do not get mesmerized by triumphs, not considered elected ahead of time, not
flees his mortality, defends the dignity of the marginalized,
and so only want to walk alongside of what is fair to.
Walk close to real things and people, enjoying this
Love with absolutely no fraud, will never be a waste of time. ‘
The essential makes life worth living.”
Rubem Alves
(free translation)
"I counted my years and found that I will have less time to live
From now on. I feel like that
Girl who won a bowl of jabuticabas. The first, she
He sucked in a casual manner, but realizing that there were only a few left, it hurt the lump.
I no longer have time to deal with mediocrity.
I do not want to attend meetings where inflated egos show off.
I do not tolerate gabolices. I am worried about envy trying to destroy
Whom they admire, coveting their places, talents and luck.
I do not have time for megalomaniac projects.
I will not attend conferences that set deadlines
To reverse the misery of the world. I do not want to be invited.
To events of a weekend with the proposal to shake the millennium.
I no longer have time for endless meetings to discuss statutes, norms, procedures, and internal regiments.
I no longer have time to administer people's gossip,
Which despite their chronological age, are immature.
I do not want to see the hands of the clock moving forward in meetings
Of 'confrontation', where 'we take things clean'.
I hate the confrontation of people who have quarreled over the majestic post of general secretary of the choir.
I remembered Mário de Andrade, who said: 'people
Do not debate content, only the labels'.
My time has become scarce for debating labels, I want to
Essence, my soul is in a hurry ...
Without many jabuticabas in the basin, I want to live next to people
Human, very human; Who knows how to laugh at her stumbling blocks, does not delight in triumphs, does not consider herself elected before the hour, does not
Escapes from its mortality, defends the dignity of the marginalized,
And only wants to walk beside what is just.
Walking around real things and people, enjoying this
Love absolutely without fraud, it will never be a waste of time. '
The essencial makes life worth."
Rubem Alves
Google Tradutor 
The time and the jabuticabas / O tempo e as jabuticabas
Por Virginia de Medeiros




Trem transitório



Trem de trânsito ferroviário rápido160 km/h



Poema Transitório
Mário Quintana

Eu que nasci na Era da Fumaça: - trenzinho
vagaroso com vagarosas
paradas
em cada estaçãozinha pobre
para comprar
pastéis
pés-de-moleque
sonhos
principalmente sonhos!
porque as moças da cidade vinham olhar o trem passar:
elas suspirando maravilhosas viagens
e a gente com um desejo súbito de ali ficar morando
sempre... Nisto,
o apito da locomotiva
e o trem se afastando
e o trem arquejando
é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar... Ah, como esta vida é
                 [urgente!
no entanto
eu gostava era mesmo de partir...
e - até hoje - quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma...
viajar indefinidamente...
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.

*
ilustração: arte/recorte/fotomontagem de Joba Tridente.2016
foto do trem: IBGE. 



Belmiro Bergamino de Barros Braga (1872 – 1937)







por J. G. de Araujo Jorge, abril de 1959, in prefácio do livro 100 Trovas de Belmiro Braga.

Estranha essa velha e sempre novíssima Minas Gerais. Dá Belmiro Braga e Carlos Drumond de Andrade. Montanhas de ferro, vermelhas, enferrujando-se no ar, pastagens e campos verdes, de águas claras e brancos leites.
Escrevi certa vez: “Inglaterra do Brasil’ ao mesmo tempo liberal e conservadora, desconfiada e expansiva, na alta clausura de suas montanhas, fabrica tudo: místicos, satíricos, ironistas, tímidos, aventureiros. Fechada em seus limites, se abre para o alto, voltando-se para o céu, – a sua imensa janela; para baixo olhando de cima e de longe, como de camarote.
De extremos: revolucionária e tradicional. Na política, na poesia, na arquitetura, em tudo. Tiradentes e Bernardo de Vasconcelos, Ouro Preto e Pampulha, Belmiro e Carlos Drummond. Nela os extremos se tocam, se combinam. Vai vivendo assim com sua dupla face, sua alma bifronte.
Terra de poetas, de grandes é a “grande ilha da poesia” brasileira. Não sobrevive só: faz parte de um arquipélago. Mas é a ilha maior, a principal; ontem, hoje. Ilha montanhosa, de altos cumes.
Aqui vamos falar de um de seus filhos, de um de seus poetas: Belmiro Braga.
Aparentemente, pouco mineiro: expansivo, jovial, exuberante, transbordando-se em versos pela vida. Voltado pra fora; ao contrário da maioria: de costas pro mar.
Belmiro era um temperamento simples, sem complicações. Por isto sua poesia escorreu das montanhas como um curso dágua transparente, córrego alegre, tirando música de cada obstáculo, de cada acontecimento.
Nasceu o poeta na Fazenda da Reserva, antigo Distrito de Vargem Grande (hoje Município com o seu nome), perto de Juiz de Fora, a 7 de janeiro de 1872, e morreu em Juiz de Fora, a 31 de março de 1937. Herdou possivelmente a veia poética do avô materno, Francisco Lourenço de Barros, “versejador mordaz” no dizer de Alves Cerqueira.
Filho de José Ferreira Braga, comerciante português, e de Da. Francisca de Paula Braga, brasileira, Belmiro estudou as primeiras letras no “Ateneu Mineiro”, em Juiz de Fora, de onde voltou a Vargem Grande com a morte da mãe, ajudando o pai nos negócios.
Esteve depois em Muriaé, em Carangola, e em 1901 era comerciante na Estação de Cotegipe, onde o foi encontrar o poeta nortista Antônio Sales, que passava tempos numa fazenda próxima.
Foi Antônio Sales quem o apresentou depois, em artigo na imprensa carioca, como o “João de Deus Mineiro”. Na mesma ocasião conhece Belmiro Braga a Fernandes Figueira, médico, que colaborava em revistas da capital do país, com o pseudônimo de Alcides Flávio. Tornando-se seu companheiro de tertúlias literárias, Fernandes Figueira o orientou, de certa forma, em sua formação intelectual e conseguiu que os primeiros versos de Belmiro fossem publicados no Rio.
Com a divulgação de seus trabalhos Belmiro Braga granjeou em pouco tempo popularidade. E de seu conhecimento em Minas com Antônio Figueirinhas, editor português que andava em viagem de negócios pelo Brasil, surgiu o lançamento do seu primeiro livro. “Montesinas” saiu prefaciado por Batista Martins, um amigo de Carangola, quando ele era comerciante, e Martins, estudante de Direito e jornalista.
Lançado o primeiro livro em 1902, Belmiro publicou depois: “Cantos e Contos”, em 1906; “Rosas”, em 1911; “Contas do Meu Rosário”, em 1918; “Tarde Florida”, em 1925, e finalmente, “Redondilhas”, em 1934. Escreveu também para o Teatro.
Hoje há em Minas dezenas e dezenas de academias e grêmios literários com o nome do poeta. E Juiz de Fora, muito particularmente, reverencia e cultua a memória de Belmiro Braga que dedicou à “sua cidade”, e ao lar paterno, um amor extremoso. Antônio Sales, seu grande amigo, no livro “Retratos e Lembranças” traça, num dos capítulos, um perfil completo do poeta, seu temperamento, caráter e formação. Diz ele:
“O lar paterno era uma obsessão sentimental de Belmiro. O sitio Reserva, onde nasceu e passou a primeira fase da infância, depois tão dolorosa, tão brutalízada pelos maus tratos da vida, esse sítio era a Meca para onde seu espírito se voltava num culto perene”.
Um de seus mais tocantes poemas, redigido em forma impessoal, foi este que ele escreveu, depois de uma visita à casa paterna:
“Foi aqui, neste plácido retiro
ouvindo a voz amiga dos teus pais,
que a infância alegre te correu, Belmiro,
a alegre infância que não volta mais.. . “

Num outro poema, dirigindo-se a amigos, exalta a alegria de rever o torrão natal:
“Meus amigos da cidade,
morrei de inveja!
Eis-me aqui na ridente
soledade onde nasci.
“Belmiro era fundamentalmente um homem simples, um homem bom. Tinha direito de se reconhecer como tal no Prólogo que escreveu para o livro “Contas do Meu Rosário”:
“Sendo minha alma simples, compreendida por outras almas simples, que prazer! Tudo que a gente faz melhor na vida é aquilo que se faz sem aprender.”

E, modesto:
“Que este livro não é uma obra de arte,
mostram suas estrofes sem lavor:
– do triste coração meu verso parte
como o aroma do cálice da flor.”

Enganava-se entretanto. Seu livro era uma beleza. Uma verdadeira obra de arte. Sem artificialismos estéticos, fazendo sua poesia como andava, como respirava, ele dava-se todo, de alma e coração, às palavras em que se traduzia. E por isto, as palavras ganhavam essa música simples de cantigas, traduzindo em versos e rimas sentimentos e pensamentos de toda gente. Ele tinha razão, a poesia estava nele, como o perfume na flor, como o pássaro no céu, como a água na terra.
De Belmiro se poderia dizer que ele quase falava em versos. E se não falava, escrevia. Eis o testemunho de seu amigo Alves Cerqueira:
“Comerciante em Cotegipe, Belmiro costumava dirigir-se aos fregueses em versos”, porque sentia mais facilidade em se expressar desta forma do que em prosa.
Os amigos de Juiz de Fora, de tanto vê-lo versejar com a facilidade que lhe era característica, acabaram por lhe solicitar versos em todas as oportunidades. O caso de Irineu Rocha é por demais conhecido. Chefe de Oficinas do “Jornal do Comércio” de Juiz de Fora, Irineu lhe pedia quadrinhas a propósito de qualquer acontecimento, do mais alegre ao mais triste, de um batizado a um falecimento.
Um dia, passando pelo jornal, Belmiro soube da morte do Irineu. E como se atendesse a uma solicitação póstuma, homenageou o velho gráfico com estas três quadrinhas:
“Se um seu amigo morria,
êle vinha ter comigo
e umas quadras me pedia
para a morte dêsse amigo.
Hoje, lembrando esse fato,
eu pensei, em mágoa imerso,
que talvez lhe seja grato
ser também chorado em verso.
E assim nestas quatro linhas
venho aqui dizer-lhe, triste:
– Irineu, toma as quadrinhas
que tu nunca me pediste.”

Trovador, no velho e no novo sentido da palavra, estava em permanente dueto lírico com a vida. Tudo lhe era assunto para uma quadra, um soneto, uma redondilha. A gente vai lendo e se admirando de que as palavras casem tão bem no fim dos versos, como se tudo já estivesse feito, e o poeta fosse apenas o “Instrumento” que as cantava e divulgava. Foi um grande, um extraordinário versejador.
Com a subversão dos modernos conceitos de poesia, como definir esta poesia discursiva, descritiva, profundamente extrovertida, sem mistérios, limpa e transparente, de Belmiro Braga? E quando falo em Belmiro, me refiro a um sem número de outros grandes poetas que continuam versejando, com tônicas bem postas, métrica, rima, todos os chamados artifícios formais da poesia tradicional.
Que há beleza, emoção, comunicabilidade no que escrevem, não há dúvida. Que realizam autênticas obras de arte, só sectários podem negar. E então teremos que rebatizar o gênero literário de que se servem, já que as correntes modernas se apoderaram da palavra poesia – e erígiram novos tabus de conceituação.
Para os estetas das novas correntes, os cristais teriam de subverter as leis da cristalografia se quisessem permanecer como símbolos de beleza, nos tempos atuais.
Belmiro é um autor que está, de corpo inteiro, em sua obra. Lírico e satírico, mas de uma sátira jocosa, sem maldade, era fundamentalmente um grande emotivo, um sentimental incorrigível. Amigo dos amigos, tomando a própria família como tema permanente de seus versos, êle viveu em versos. Era uma espécie de “ópera” viva, ambulante! Sua vida, sua infância, a vida dos seus, seus negócios, suas pretensões políticas, tudo para ele era verso, era poesia. Até seu próprio testamento, antecipadamente redigiu, numa auto-sátira bem humorada. Nomeado tabelião em Juiz de Fora, em 1903, aproveitou-se logo da sugestão do cargo:

Morto não quero o belengar dos sinos
enchendo de tristeza o espaço imenso,
nem esses tristes, merencórios hinos
da charanga do bairro a que pertenço.
Cante-me o padre alguns textos latinos
por entre nuvens de cheiroso incenso,
mas desde já previno-o: pequeninos,
que os longos textos com prazer dispenso.
No cemitério, nada de discursos!
Acautelem-me ali dessa estopada
os bons amigos dos amigos ursos,
pois, em casa, o orador, à sobremesa,
dirá pensando em mim: “Não somos nada!
Lá se foi o Belmiro… Que limpeza!”

É muito citado o soneto que dirigiu como carta, ao pai da moça, quando seu filho queria se casar:
Artur Fernandes de Oliveira – abraços.
Tens, amigo, uma filha e eu tenho um filho
que desejam da vida o mesmo trilho
palmilhar, a sorrir, contando os passos.
Se o amor os tem prendido nos seus laços,
se entre os dois não existe um empecilho,
tu te envaideces, eu me maravilho,
por vê-los, um ao outro abrindo os braços.
Se dela o coração é manso e puro,
tem ele garantido hoje o futuro
servindo à Pátria com amor e fé.
Mas vamos nestas linhas por um ponto;
o que eu quero de ti, aqui te conto:
– é de Cordélia a mão para o José.

E não satisfeito, na véspera do casamento, mandou ao filho a sua bênção e as congratulações pelo acontecimento:
“Meus parabéns, José, porque suponho
que a vida que a Cordélia te assegura
há de ser de carinho e de ventura
sob a tranqüila paz de um céu risonho.
Dos teus sonhos de moço o melhor sonho
foi, meu filho, essa jovem de alma pura
em cujos dons de afeto e de ternura
todas as minhas esperanças ponho.
Abençoado seja, pois, o laço
que prende para sempre num abraço
os vossos corações de ouro de lei.
Em nossa vida a mesma estrela brilha,
que a mulher que amanhã me dás por filha
é igual àquela que por mãe te dei…”

Depois foram os netos. Abrindo o volume “Tarde Florida” está o poemeto “Versos do Coração”, que começa assim:
“Cláudio e Jorge… A minha vida
de amor, carinhos, afetos,
tenho-a toa resumida
nestes dois netos!”

Candidato a deputado estadual, contando com o apoio político de seu amigo, o Coronel Martins Ferreira, de Leopoldina, este lhe escreveu, querendo mexer com Belmiro, que só ia lhe dar a metade da votação, porque a resposta à sua carta lhe chegara em prosa. Belmiro não se fez de rogado. E conquistou a votação inteira com este soneto:
“Meu caro Coronel Martins Ferreira,
candidato extra-chapa a deputado
ao congresso da Câmara Mineira,
desejo ser aí o mais votado.
A minha fé de ofício é de primeira,
vale por um programa o meu passado,
e no congresso não direi asneira
todas as vezes.. . que ficar calado…
Fui caixeiro, depois fui negociante,
e do torrão natal representante
agora aspiro ser como escrivão:
e eleito, espero, mas que maravilha!
– ser pai da Pátria e receber da filha
todo o subsídio, quer trabalhe ou não!

Um outro amigo seu, Abílio Barreto, reclamou de certa feita contra o silêncio do poeta. Já escrevera três cartas e nada de resposta. Belmiro, apanhado em esquecimento, apressou-se em penitenciar-se. E compõe às pressas uma resposta ao amigo Abílio, na própria Agência do Correio:
“Prezado Abílio, perdoa
a resposta demorada:
tu sabes, quem vive à toa
não tem tempo para nada.”
Filósofo do povo, ele, com graça e inteligência, ia fixando a alma de sua gente. Estava nele, – ele próprio não sabia que encarnava e simbolizava, em sua poesia, ao fixar a vida, – a alma do nosso homem do interior.
As duas faces da poesia de Belmiro foram sempre estas. Um profundo amor pelos amigos, pelos parentes, aos quais dedicava um sentimento de grande ternura; e o tom chistoso, alegre, com que brindava àqueles a quem não podia dedicar apenas carinho. No fundo, um humor sadio, às vezes irreverente, mas nunca agressivo ou ferino. Era terna e alegre a sua Musa. E acima de tudo, humana.
De certa feita um jornalzinho da terra, chamado “Justiça” pediu-lhe uns versos para um número de aniversário. O trabalho foi feito, pequena obra-prima, mas não foi publicado. Leiam-no e compreenderão:
“Quanto é bela a Justiça! Aplaina escolhos e os interesses vela
do grande e do pequeno.. . E ela, depois,
fechando os olhos e abrindo a goela,
engole os dois…
Reta, ao dirimir uma contenda
ajusta as artes, e, num gesto nobre,
em vez de pôr a venda, põe à venda
os bens do pobre…”

Este espírito crítico de Belmiro, que nascia da bondade de seu coração, se manifestou até em relação aos próprios problemas estéticos. Belmiro, sem mais delongas, não aceitava o modernismo na poesia. Intimamente havia de achar que estes poetas modernos faziam complexa uma coisa que nêle nascia sem nenhuma dificuldade. Mas se o negócio era esse, ele também era capaz de fazer “modernismo”. No prefácio de seu livro “Redondilhas”, chamando aos futuristas de “um aluvião de turcos que invadiram a praça obrigando-o a cerrar as portas e a recolher, como alcaides e refugos, os seus pobres sonetos, quadras e sextilhas”, ele, incoerentemente, publica seu livro, e ainda perpetra poemas desalinhavados, para provar que pode fazer versos iguais.
Floriano de Lemos, em belo artigo que lhe dedicou no “Correio da Manhã”, do dia 18 de abril de 1954, cita este outro fato; e comenta:
“A obra de Belmiro Braga é um monumento de naturalidade, graça e delicadeza. Não há em toda ela um verso forçado ou uma idéia nascida sem inspiração. Sabendo fazer poesias rigorosamente parnasianas, não desculpava, entretanto, a mania das rimas difíceis que certos autores tinham. O estilo afetado foi por ele duramente criticado em uma série de quadrinhas que começa por estas duas:
“Recebi de um jovem bardo
uns versos nefelíbatas
de quatro pés, que não tardo
chamá-los… de quatro patas!
Ao lê-los a gente fica
pensando, e afinal descobre
que é sempre uma rima rica
que veste uma idéia pobre.”

Realmente, da poesia de Belmiro Braga se pode dizer que, se há rimas e versos pobres, estes são ricos de emoção, de ternura, de beleza.
Em gênero nenhum Belmiro Parece tão à vontade como na trova. Poeta popular por excelência, espontâneo, ele usava a trova com uma facilidade espantosa. E assim como os críticos têm lembrado que Bilac já trazia um perfeito verso alexandrino no nome (Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac), Belmiro Braga trazia uma redondilha menor, um verso de 7 sílabas: Belmiro (Ferreira) Braga. Dele, eu poderia dizer:
“Fez trovas como quem ri
chora, canta, ou roga praga.
Troveiro igual nunca vi:
– Belmiro Ferreira Braga.”
Foi ela o seu Universo
cantou-a, sem querer paga,
e ao nascer, trazia um verso:
– Belmiro Ferreira Braga.

Trovador, troveiro ou trovista nato, a trova era uma medida ideal para a sua inspiração, quer desabafando mágoas e alegrias, quer “desopilando” suas inofensivas maldades satíricas. Humorista de fina sensibilidade, servia-se dos versos para fixar coisas, pessoas e fatos, em rápidas caricaturas poéticas.
Neste volume que apresentamos iniciando a “Coleção Trovadores Brasileiros”, Belmiro Braga aparece com 100 trovas, líricas e humorísticas. Numa e noutra realizações, foi perfeito. Vamos citar um exemplo de cada face de seu trabalho. De certa feita, Belmiro Braga satirizou um advogado juiz-de-forano, que falava, como diz o povo, “Pelas tripas do judas”, mas cacete que nem êle só:
“Um certo orador maçante,
das margens do Paraibuna
ao falar, de instante a instante
vai esmurrando a tribuna.
E quem o conhece, sente
por mais ingênuo ou simplório,
que os murros são simplesmente
para acordar o auditório.”

E agora, o Belmiro sentimental, lírico, autor de verdadeiras obras-primas, cujo coração era uma misteriosa e insondável concha univalva a fabricar e expelir pérolas e mais pérolas. Aqui está uma destas “pérolas”, dedicada justamente àquela que o deixou órfão, tão cedo:
“Acima de tudo, acima
do céu te devemos pôr,
pois teu nome não tem rima
nem limite o teu amor.”

Mas suas trovas não são apenas sentimento. Eram também pensamento.
Despreocupadamente, – com beleza e sinceridade – Belmiro aconselha a dois noivos, no dia das bodas:
“À notícia bato palmas
e mando um conselho aos dois:
– primeiro, casem as almas,
casem os corpos depois.”
“Que eu tenho os olhos cansados
de ver (umas mil talvez),
dentro de corpos casados,
almas em plena viuvez.”

A verdade em relação a Belmiro Braga é uma só. Um poeta, com tal força de expressão e com tão profundo sentimento de humanidade, não precisa de escolas. É um Poeta.
Sobreviverá a qualquer tempo. Será sempre ouvido. E isto basta. Está cumprida a sua missão.
–––––––––––––––-
Continua – As 100 Trovas de Belmiro Braga
___________________
Fonte:
JORGE, J. G. de Araujo e OTÁVIO, Luiz (organizadores). Belmiro Braga. 100 Trovas. 1959.

Por Oceano de Letras


Trem Nocturno

Em Barbacena no passado, chegava um trem que trazia doentes mentais ou não mas que eram considerados assim...chamado trem de doido...até Guimarães Rosa citou em seus contos...".No início do século XX, portanto, a loucura tinha endereço certo.Mais detalhes sobre essa estrutura são revelados no conto. Como, por exemplo, o
horário e como os pacientes saiam de suas cidades em direção a Barbacena:

"O trem do sertão passava às 12h45m" (ROSA, 2001, p.62).

De acordo com
Maristela Nascimento Duarte, o trem do sertão ou o trem "nocturno" chegava
ao seu destino à noite para não chocar a população de Barbacena. Provavelmente, pela marcação no conto rosiano, o trem faria uma longa
viagem. A estudiosa revela as condições dos pacientes nessa viagem:
O trem transportava, para a Assistência, doidos de Todas diferentes localidades do Estado e/ou removidos do
Instituto Raul Soares. Esses eram submetidos a uma
longa viagem imobilizados, de mãos e/ou pés amarrados
por tiras de panos fortes, ou imobilizados pelo Manchón.
Apos longa e estranha viagem, desciam na estação do
Sanatório, sendo encarcerados nos muros do hospício.
(DUARTE, 1996, p.108). no vídeo é mostrado um trem que passa por onde passava o referido TREM NOCTURNO.






Provocações 630 com a repórter e jornalista Daniela Arbex - bloco 02 - 17/09/2013


Trem de doido
Lô Borges e Márcio Borges

Noite azul, pedra e chão
amigos num hotel
muito além do céu
nada a temer, nada a conquistar
depois que este trem começa a andar, andar
deixando pelo chão os ratos mortos na praça
do mercado
Quero estar onde estão
os sonhos desse hotel
muito além do céu
nada a temer, nada a combinar
na hora de achar o meu lugar no trem
e não sentir pavor dos ratos soltos na praça
minha casa
Não precisa ir muito além dessa estrada
os ratos não sabem morrer na calçada
é hora de você achar o trem
e não sentir pavor dos ratos soltos na casa
sua casa
Canta: Lô Borges
Guitarra-base: Lô Borges
Guitarra-solo: Beto Guedes
Baixo: Toninho Horta
Bateria: Rubinho
Órgão: Wagner Tiso
Coro: Lô Borges, Beto Guedes e Milton Nasciment






Referência
https://inresidence.videobrasil.org.br/2014/07/21/o-tempo-e-as-jabuticabas/
http://www.tiltedlogic.org/Familia/getperson.php?personID=I2223&tree=Miriam01
http://www.crrcgc.cc/pt/g15912/s29205/t282380.aspx
https://nuhtaradahab.wordpress.com/category/poemas/page/38/
https://www.youtube.com/watch?v=CtU8DLTvao8
http://www.museuclubedaesquina.org.br/musica/trem-de-doido/

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